Hoje minha mãe, meu pai e eu fomos ao cemitério e limpamos os túmulos.
Cuidamos de Vovó Spirit, de Eugene e de Mary.
Mamãe preparou um piquenique e Papai levou o saxofone, e assim passamos o dia todo lá.
Nós, índios, sabemos homenagear nossos mortos.
Eu me senti bem.
Minha mãe e meu pai se deram as mãos e se beijaram.
- Ei, vocês não podem namorar no cemitério! - disse eu.
- Amor e morte - disse meu pai. - Amor e morte é só o que há.
- O senhor é doido - falei.
- Doido por você - respondeu ele.
E me abraçou.
E abraçou minha mãe.
Ela ficou com os olhos cheios de lágrimas.
E segurou meu rosto entre as mãos.
- Junior - disse ela -, tenho muito orgulho de você.
Essa era a melhor coisa que ela podia ter me dito.
Em meio a esta vida tão louca e tão cheia de bebida, a pessoa precisa agarrar com força os momentos bons e sóbrios.
Eu estava feliz. Mas continuava a sentir saudades da minha irmã e isso não tinha jeito, por mais amor que meus pais me dessem, por mais confiança que eles depositassem em mim.
Eu amo minha irmã e sempre vou amar.
Ela era uma pessoa incrível. Foi muito corajosa ao sair do porão e ir morar em Montana. Ela foi à luta por seus sonhos. Não os realizou, mas tentou.
Eu continuava a tentar. Talvez acabasse morrendo também, mas eu sabia que se ficasse na reserva morreria certamente.
Chorei por minha irmã e chorei por mim.
Mas era por minha tribo que eu chorava também. Chorava porque sabia que mais cinco, ou dez, ou quinze spokanes morreriam dentro de um ano, e a maioria das mortes seria por causa de bebida.
Eu chorava porque muitos dos meus companheiros de tribo estavam se matando aos poucos e eu os queria vivos. Eu queria que todos eles fossem fortes, sóbrios e que saíssem daquela reserva.
Estranho. Muito estranho.
As reservas existem para servirem de prisão aos índios, vocês sabiam? Espera-se que os índios se mudem para as reservas e que morram por lá. Espera-se que a gente desapareça.
Mas, por alguma razão, os índios se esqueceram de que as reservas são campos de morte.
Eu chorava por ser o único dali louco e corajoso o suficiente para deixar a reserva. O único com arrogância suficiente.
Eu chorava sem parar porque sabia que nunca ia beber nem me matar e porque teria uma vida melhor no mundo dos índios.
Foi ali, que me dei conta de que era um menino índio solitário, mas que não estava sozinho na minha solidão. Milhões de outros americanos deixam o lugar onde nasceram perseguindo seus sonhos.
E me dei conta de que seria sempre um índio spokane. De que pertenceria sempre á minha tribo, mas que também à tribo de migrantes americanos. E também à tribo dos jogadores de basquete. E á tribo dos ratos de biblioteca.
E à tribo dos cartunistas.
E à tribo dos masturbadores crônicos.
E à tribo dos meninos adolescentes.
E à tribo dos meninos de cidadezinha do interior.
E à tribo dos habitantes do noroeste americano.
E à tribo dos amantes de tortilla chips.
E à tribo dos dos pobres.
E à tribo dos que vão muito a enterros.
E à tribo dos filhos amados.
E à tribo dos meninos que morrem de saudades de seus melhores amigos.
Essa foi uma enorme conclusão a que cheguei. E foi só então que soube que eu ia ficar bem.
Mas isso me fez pensar nas pessoas que não iam ficar bem.
Pensei em Rowdy.
Eu sentia muitas saudades dele.
Queria encontrá-lo, abraça-lo e pedir que me desculpasse por ter partido.
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Diario Absolutamente Verdadeiro De Um Índio De Meio Expediente
Non-FictionMeu nome é Arnold Spirit Junior, mas me chamem de Junior, eu sou um índio, mas não fiquem imaginando um belo e musculoso índio, existe alguns assim sim, mas não sou um modelo de índio, sou magro, tenho um globo como cabeça e pés enormes, então se vi...