Ali sentado sobre um armário, cercado por pessoas vitimizadas por uma doença assustadora que as transformou em monstros horríveis e aparentemente distantes da racionalidade humana, eu estava estranhamente calmo, rezar me fez lembrar minha infância, dos ensinamentos de meus pais, que além da religião, me ensinaram o respeito e a prática do bem, me senti culpado por ter deixado esses importantes valores em segundo plano em minha vida. A busca pelo sucesso nem sempre é compatível com a postura correta e o preço de tal escolha só se descobre depois, quando as pessoas que realmente importam já não querem estar ao seu lado. A situação extrema me fez perceber que para ser um profissional melhor eu não precisava de todo o reconhecimento que almejei um dia, era preciso ser o que nasci para ser, humano.
Assustei com o som de um tiro e na fração de segundo que antecedeu a abertura das pálpebras fui capaz de conjeturar duas possibilidades, a primeira, que os doentes tivessem pego minha arma e a segunda, a chegada de ajuda, entretanto nenhuma das opções eram condizentes com a realidade, os infectados se afastavam de mim, se amontoando sobre um pobre coitado, o mordiam com uma voracidade animalesca, rasgando o corpo do homem com uma assombrosa facilidade, o sangue espirrava e, para meu espanto, de pé e bem próxima à tudo isso estava um mulher, trazendo em sua mão uma bíblia. Alguns dos monstros, percebendo sua presença, partiram em sua direção buscando a refeição menos disputada.
Repleto de uma inesperada dose de coragem, abandonei meu reduto, peguei minhas chaves no chão e abri com pressa o cadeado, retirei a arma de seu esconderijo derrubando as coisas que estavam lá dentro. A sensação de segurança ao sentir seu peso nas mãos era reconfortante, eu tinha apenas seis balas e nunca tendo usado uma arma sabia que seria difícil os ferir mortalmente, então apontei a arma para cima e puxei o gatilho. O som foi mais fraco do que eu esperava, diferente dos filmes, mas tive que fazer força para manter o braço no lugar. Alguns doentes olharam em minha direção, conforme o planejado o disparo despertou a mulher de choque e a distração possibilitou que ela viesse em minha direção passando por alguns deles que reagiam erguendo os braços à ela tardiamente.
Com a arma apontada para eles, sinalizei com a cabeça para que ela seguisse pelo corredor, se alcançássemos a sala de descanso seria possível aguardar a chegada de ajuda em segurança, infelizmente mais deles vinham por aquele caminho, a única saída era um elevador. Atingi um deles que estava mais próximo no peito, ele chegou a virar o tronco devido ao impacto, mas logo se recobrou e continuou sua marcha em nossa direção. Eu a segurei pelo braço e a conduzi até os elevadores, um deles não funcionava e o outro estava no terceiro andar, apertei desesperadamente o botão enquanto os infectados se aproximavam. Eu só tinha quatro balas e eles eram muitos, pensei que não conseguiríamos quando o silvo anunciou a chegada do ascensor, a porta se abriu e entrei apressado e só quando me virei que pude perceber que ela não havia me seguido, estava lá fora, de pé com sua bíblia erguida e começou a dizer:
- Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comi...
Foi possível ver quando o primeiro, o mesmo que atingi no peito, a segurou e eu queria poder dizer que tentei salvá-la, mas não fui capaz de reagir, apenas assisti ao seu padecimento, ouvindo seus atemorizantes urros de agonia enquanto a porta se fechava.
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ZUMBIS
HorrorZumbis - Livro I - Terror no Hospital Um hospital interditado pelas autoridades, funcionários e pacientes presos com criaturas sedentas de sangue. A praga se alastra enquanto pessoas buscam uma saída deste cenário de horror. Acompanhe esta história...