2013
Ao abrir a porta do carro ele percebe que agora sim, o recomeço pode acontecer. Estica as pernas, solta seu cachorro que estava em seu colo durante toda a viagem e coloca seus sapatos velhos de dois ou três anos atrás para entrar na sua nova casa. Ele para em frente da porta principal da casa e respira fundo.
— Olha onde viemos parar... No meio do nada, no lugar onde tudo começou, não era isso que eu esperava pra mim, nem pra vocês — diz a mãe dele sobre a cidade no qual acabaram de se mudar. Uma cidade extremamente pequena no interior do nordeste, inclusive é a mesma que ele nasceu, sem nenhuma opção de lazer a não ser assistir televisão ou sentar nas portas das casas para fofocar da vida alheia.
Ele olha pra ela e simplesmente solta um sorrisinho de canto de boca, pegando o celular do bolso e entrando na casa nova para explorar o local.
— Vamos na casa da sua avó, temos que ir antes que escureça. Você a conhece, ela vai ficar brava se não formos lá hoje. Ela nem sabe que chegamos ainda, deve estar preocupada.
— Antes eu preciso tomar um banho, minhas costas ainda estão doendo da viagem — disse ele num tom baixo e cansado, com a esperança de que a mãe o deixasse ficar em casa.
— Também preciso de um, mas não demora, já ta escurecendo e eu odeio dirigir no escuro, você sabe Eduardo. — disse a mãe em tom crescente.
— Já estou no banheiro! — Disse ele aos berros trancando a porta do banheiro e rapidamente ligando o chuveiro.
Ao entrar debaixo d'água, ele fecha os olhos. Por um momento se desliga do mundo que vive e se conecta com outro, não que esteja num mundo melhor agora em sua própria mente, mas pra ele sempre foi um escape. Criou um mundo só dele apenas pra tentar fugir da realidade que o assustava, havia criado um mundo onde ele poderia ser o que quisesse e como quisesse. Mas assim como todos os mundos, tinha seus perigos. Desligou o chuveiro, parou e olhou cada parte do seu corpo. Se perguntava quem ele era realmente e qual sua função ali. Ele nunca achava uma resposta, e bom, procurava uma forma de sair daquele lugar que ele nunca quis e nem teve motivos para estar. O mundo.
— Já estou saindo! Você vai pelado? — grita a mãe dele já impaciente
Ao ouvir o tom de voz dela, Dudu se desconecta rapidamente de seus pensamentos, amarra a toalha na cintura e depressa sai do banheiro em direção ao quarto. Abre algumas caixas de roupa ainda bagunçadas pela mudança, escolhe a roupa mais acessível ao momento, e rapidamente fica pronto para ir com a mãe na casa da avó.
— Seis minutos! — disse ele sorrindo, um pouco entusiasmado por estar indo ver os avós, afinal, eles o criaram por toda a infância. — Na verdade, sete — diz ele fechando o sorriso e fazendo uma careta pra mãe no carro.
— Sete minutos de quê? — indagou ela, acabando de parar o carro na frente do jardim de da casa dos seus pais.
— Sete minutos da nossa casa até aqui. Acho que agora que estamos mais perto, tudo melhore... — ele observou o rosto desanimado da mãe por estar ali, e tentou anima-la — Vamos acreditar, né?!
Sua mãe deu um sorriso sem graça de canto de boca, abriu a porta e viu a mãe parada na porta com suas outras três filhas, que já aguardavam impacientes a chegada da mãe por ali. Dudu por sua vez esperou mais um pouco antes de sair do carro, continuou observando os comportamentos na frente da casa da avó.
—Mamãe! — As três meninas gritaram juntas enquanto partiam para abraçar a mãe que acabara de chegar.
Enquanto o abraço caloroso acontecia, ainda de dentro do carro Eduardo observa o avô chegar por trás do automóvel e decide finalmente sair. Respira fundo e abre a porta esperando receber a mesma animação que a mãe. Caminha ao encontro do avô, que o recebe com um abraço e um beijo na testa. Ele era um senhor muito inteligente e conhecido na pequena cidade onde morava, sempre foi muito fechado em fazer comentários sobre qualquer coisa estranha que ele percebesse. Ainda em silêncio, entra em casa, avistando a avó e as irmãs, ainda empolgadas com a chegada da mãe.
— Oi vó! — disse ele a abraçando, se curvando um pouco pela estatura dela ser bem menor que a dele. E recebendo um beijo na testa como ela sempre deu.
— Já comeu? — perguntou com uma expressão séria de como se o neto estivesse completamente desnutrido.
— Já sim, só estou cansado e quero ficar quieto agora! — retrucou rapidamente enquanto entrava em casa, acenava para as irmãs e sentava na velha poltrona reclinável da sala que no momento não poderia ser inclinada por conta de uma arvore de natal enorme que a avó tinha montado aquele ano, deixando o cômodo com pouco espaço.
Ainda no sofá, Dudu ouve cochichos na cozinha. Não muito compreensíveis por causa das três crianças brigando e berrando interrompendo a atenção dele no que se era falado. Nada muito importante talvez, até que ele ouve seu nome no meio dos cochichados e decide se aproximar e entender melhor o que algo sobre ele poderia se tornar burburinho na família.
— Ele anda melhor? Ele não está com uma cara melhor não. — ouviu a avó sussurrando pra mãe
— Eu acho que sim. Ele não anda me falando muita coisa. Pelo menos ele parece estar tentando.
Alguns gritos de briga de criança brotam da sala, ecoando pela casa inteira, interrompendo a conversa. Eduardo havia ouvido o bastante. Ele não parecia estar bem. E o pior de tudo, a própria mãe tinha contado ao resto da família os problemas pessoais dele. Rapidamente se trancou no banheiro. Se olhava com uma expressão diferente no espelho, sua mente começava a coloca-lo de volta no mundo que ele criou, mas não na parte bonita que mais parecia um conto de fadas. Era como se raízes escuras o enforcassem e algo tivesse o controlando. Algo que o fizesse ter certeza que ele era algo ruim e que nunca conseguiria ser bom o suficiente.
Ele se vira e enxerga um mundo diferente, sem nenhuma perspectiva de melhora pra si mesmo ou nada que o rodeia. Abre os armários do banheiro em busca de algo, tira tudo do lugar na esperança de achar algo que o faça aliviar aquela dor, ou talvez que acabe com ela de vez. Revirou os armários do banheiro, gaveta por gaveta, até que achou uma pequena lâmina de barbear. Talvez seu avô a usasse em um aparelho de barbear dos mais antigos, que se coloca a lâmina e a troca após o uso. Ele se vira e, em segundos, percebe que não há como parar. Abre a mão esquerda e vê gotas de sangue caindo no chão, outras escorrendo por todo o seu braço. Ouve um gemido que talvez seja seu. Olha seu próprio reflexo no espelho e ao mesmo tempo que vê um menino assustado, também vê algo sombrio em si mesmo que se sente mais aliviado e satisfeito. E então só o restava guardar mais uma cicatriz para a sua antiga coleção de dores.
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Moondust
RomanceAs melhores coisas lhe aparecem na hora de mais escuridão na sua vida. Uma vida pode ser construída de metáforas e a luz da lua pode ser insuficiente para traçar caminhos corretos para uma alcateia de um lobo só.