Capítulo 3

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Quando acordei, na quinta-feira recebi uma mensagem de um número desconhecido.

" Acabou ficando doente de verdade? Menti para você sair dessa e se torna realidade... "

" Quem é você? "

" Não tá na cara? "

" Se estivesse eu não estaria perguntando! "

" É o idiota que trombou com você ontem! "

" Ah! Foi você... "

" Pois é! Agora me diz, você tá doente mesmo ou tá só fingindo? "

Como ele podia já me conhecer tão bem a ponto de saber disso? Nem o Leo tinha desconfiado!

" Claro que eu tô só fingindo! Agora, você me diz uma coisa... Como conseguiu meu número de telefone? "

" Seu amigo me deu. Ele que me contou que você tava doente. "

Eu ia matar o Leo!!!

" Então tá. Tchau. "

" Espera. Eu preciso falar com você sobre o trabalho. "

" E eu com isso? "

" Pode se encontrar comigo em algum lugar? "

" Não. "

" Por... "

" Primeiro: Minha tia realmente acha que eu tô muito doente e não me deixa sair de casa. Segundo: Eu não quero. "

" Assim você não me ajuda, Cruella. "

Ri um pouco comigo mesma. A Cruella era uma das minhas vilãs favoritas.

" Afinal, como uma Ruivinha tão gata pode ser tão má? "

Ruivinha gata? Quem aquele cara pensava que era?

" Era pra isso ser uma cantada? "

" Não... Só uma dúvida. "

" Longa história... Agora... Tchau. "

" Tchau, Ruivinha. "

Desliguei o celular e fiquei deitada na minha cama, olhando para o teto. Ficar presa em casa não era assim tão divertido. Pelo menos na escola eu podia estar estragando parte da vida de alguém e fazendo essa pessoa me odiar, ou ter medo de mim. No dia anterior eu tinha simulado um vômito com vitamina de abacate, e minha tia me deu mais uma semana de folga, resumindo, contando com hoje, ainda tinha mais nove dias de prisão. Resolvi trocar de roupa e sair de casa. Pulei a janela e fui para a praça. Eu estava desenhando, quando ouvi uma voz ao meu lado:
- Pensei que estava presa em casa.
- Estava. Eu fugi.
- A professora pediu para eu te entregar isso.
Leo estendeu meu iPod, e eu comecei a beijá-lo.
- Graças a Deus! Você não sabe o quanto eu senti falta desse aparelho!- De repente me toquei de uma coisa.- Ei. Não era para você estar na escola?
- Ela não tem graça sem você. Sem você azucrinando todo mundo, todos ficam em silêncio, prestando atenção na aula.
Ri e o abracei.
- Vou aproveitar esse momento, porque fiz algo que você não vai gostar...- Leo disse.
Me afastei rapidamente.
- O que você fez?
- Surpresa!
Ele saiu correndo com o skate e eu não consegui alcançá-lo.
Eu voltei pra casa e dormi. Minha tia me acordou e disse que queria me dar remédios. Eu falei que não precisava, pois eu já estava me sentindo melhor, mas ela começou a insistir. Minha tia, meio louca, tentou enfiar os remédios a força na minha boca.
- Chega!!!- Gritei.- Tia, eu não tô doente! Eu simulei tudo! A temperatura alta, o vômito, tudo! Eu só queria faltar da escola!
Por incrível que pareça, ela não pareceu brava. Apenas chateada, talvez por eu ter mentido para ela. Ela me abraçou.
- Me desculpe, Majú!
- O quê? Por quê?
- Depois que seus pais e seu irmão morreram, você não é mais a mesma... A culpa é minha, eu te acostumei mal, e não fiz como eu tinha que fazer, me desculpa!
Ela estava chorando. Minha tia tinha ficado louca? Tipo, sempre soube que ela era meio biruta, mas não a ponto de chorar por isso. Mas ela tinha razão. Eu fiquei daquele jeito por causa da morte dos meus pais e do meu irmão.
- Não é culpa sua, tia... É minha. Ainda não consegui lidar com a morte deles, e... Eu não sei, é como quando as pessoas perdem alguém e começam a se prejudicar, ou algo assim... Ah, eu sei lá! Isso está acontecendo comigo, e  eu gosto de agir assim, como se ninguém pudesse me segurar e eu pudesse fazer o que eu quiser...
- Eu entendo querida... Mas por favor, tente melhorar, não por mim, mas por você...
Concordei com a cabeça.
Eu acabei voltando a dormir, e pouco tempo depois, ouvi a campainha tocar.
- Eu atendo!- Diana gritou.
Depois de uns minutos ela veio abriu um pouco a porta do meu quarto e sussurrou:
- Tem um cara super gato aqui!
- Manda ele embora.
- Você sabe quem é?
- Não, mas com certeza vou arremessá-lo pela janela se entrar no meu quarto.
- Quanta agressividade, Ruivinha! - Ouvi alguém dizer do lado de fora.
Arregalei os olhos. Era sobre aquilo que o Leo havia falado.
Resmunguei.
- Um minuto!
Troquei de roupa, fiz um coque e abri a porta.
- O que é?
- O Leo disse que você tinha me chamado para resolvermos coisas do trabalho.
- Eu vou matar aquele cara!!!- Gritei.
Lucas me olhou confuso.
- Você não... Me chamou?
- Mas é claro que não!
- Bom... Então eu... Vou indo.
Lembrei do que minha tia disse mais cedo e o fato de ele ter me ajudado com a professora.
- Ei, espera.
Ele se virou.
- Você já está aqui, então... Entra.
Ele levantou as duas sobrancelhas.
- Vai entrar ou não? Vou fechar a porta em 3... 2...
Ele entrou e olhou o quarto todo.
- Sua casa é muito bonita...
Eu peguei a mochila dele e a coloquei em cima da minha cama.
- Por que seu quarto é todo preto?
- Porque... Preto é a minha cor favorita.- Um silêncio constrangedor infestou o quarto, enquanto Lucas o observava.
- Ah! Pode pegar o meu caderno com algumas ideias na minha mochila. É o único que tá aí dentro.
Quando abri a mochila dele, vi um lírio branco dentro dela. Eu a peguei e fiquei observando. Ele olhou para mim e viu que eu estava com a flor dele em mãos, então veio rapidamente por atrás de mim.
- O que é isso?
- Er... Não é... Não é nada... Eu...
Ele coçou a cabeça, envergonhado.
- Por que essa flor estava aqui?- Perguntei novamente, com nenhum ponto de agressividade na voz, o que era novidade pra mim.
Ele se aproximou.
- Eu só... Eu vi esse lírio branco na praça e... peguei pra você, mas... Eu acho que... Foi bobagem, eu sei, é que... Quando eu vi, pensei em trazer para você...
Fiquei olhando mais um pouco a flor, até que eu finalmente olhei para ele.
- Ainda posso ficar com ela?
Ele me olhou meio espantado, e apenas concordou com a cabeça.
- Pode... Pode sim.
Eu coloquei o lírio no meu vasinho, que estava sempre vazio.
Me virei para Lucas.
- Obrigada...
Ele franziu a testa.
- Eu tô meio que... Mais delicada do que eu geralmente sou. Eu sei que é clichê, é que...
- Não... Eu gostei de você assim.
Levantei uma sobrancelha.
- Não se acostume. Daqui a pouco já volto ao normal.
- É uma pena...

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