Capítulo 4

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O Lucas deu a ideia de fazermos uma maquete de madeira. O pai dele trabalhava numa madeireira e podia ajudar a gente.
- Você já sabe qual é a construção do livro na maquete?
- Não li o livro.
- Que?
- Eu-não-li-o-livro! Entendeu agora ou quer que eu desenhe?
- O que você fez em todo esse tempo que ficou aqui na sua casa?
- Dormi.
Ele foi até a mochila dele e pegou algo. Quando ele se virou, o próprio livro estava nas mãos dele.
- Você carrega ele na mochila?- Perguntei com uma careta.
- Tenho dois. Trouxe esse para o caso de querermos consultar alguma coisa.
Levantei os braços para o alto.
- Por que, Senhor?!- Eu praticamente gritei.
Ele se sentou na ponta da cama e ficou chacoalhando o livro nas mãos dele enquanto falava.
- Se você vai fazer esse trabalho comigo você vai ter que ler esse livro... Não é ruim assim, e ele é curto.
- Você diz isso porque é um nerd! Gosta de livros! Quando eu vejo um quero pular pela janela!
Ele riu um pouco.
- Olha, lê só um pouco, pra conseguirmos fazer a maquete, pelo menos.
Ele estendeu o livro pra mim. Olhei para ele, e depois para o livro de novo.
- Ei! Não tem um filme desse livro?
Ele fez que caiu na cama, sabe? Como se tivesse desmaiado.
- Para de fazer drama e levanta logo! Parece uma garotinha!
Ele ficou de barriga para cima com os cutovelos na cama. Ele ficou me olhando por um tempo.
- Quer parar?- Eu disse.
- Só se você ler o livro.
- Eu não vou ler esse livro.
- Então eu vou ficar te olhando o tempo inteiro. Eu sei que eu posso ficar cego mas é um sacrifício que eu quero tomar.
Peguei meu travesseiro e comecei a bater nele com toda a minha força, até que ele caiu no chão.
- Ai!
- É nisso que dá falar idiotice.
- Eu tava brincando! Nossa! Você é violenta! Pode me ajudar a me levantar?
- Não. Se vira.
Ele se levantou e me deu o livro.
- Leia. Por favor. Se você ler...- Ele ficou pensando na proposta que faria.- Eu te dou a foto que eu tenho mais vergonha de ter e deixo você postar no facebook.
- Não tenho facebook.
- Instagram?
- Não, também.
- Twitter?
- Não tenho.
- Você não tem conta em nenhuma rede social?
- Não, elas são perdas de tempo. Só tenho o Whatsapp porque minha tia pediu que eu baixasse.
- E o que você tem no seu celular?
- Fotos, vídeos, e jogos.
- Jogos?
- É.
- Jogos?
- É.
- Jogos?
- É, caramba!- Gritei.
Ele pensou.
- Então eu mesmo as imprimo e deixo você espalhar por toda a escola.
- Ah! Tá! Seria mesmo muito engraçado fazer isso!
- Você não quer fazer?
- Claro que eu quero!
- E não vai ler um livro por isso?
- Espera. Você tá falando sério?
Ele pensou e concordou com a cabeça, apreensivo.
- Me dá esse livro porque eu vou começar a ler agora!- Eu disse dando muito risada.

Depois que o Lucas foi embora no dia anterior, eu fiquei lendo o livro a noite inteira. Era muito bom! Eu não conseguia parar de ler! Claro que eu não ia admitir isso para ele, mas para alguém eu tinha que falar. Combinei de ir para a praça com o Leo, e o tempo todo fui comentando com ele sobre o livro. Ele achou engraçado me ver tão entusiasmada por causa de um.
- Você deveria liberar o Lucas do acordo.
- Claro que não! Eu quero ver fotos dele espalhadas pela escola inteira.
- Eu vou te dizer uma coisa... Acho que você tá gostando desse cara.
- Quê?! Leo, eu acabei de conhecer ele! Sem falar que eu não gosto de ninguém! Nunca gostei!
- Sei...
Eu o empurrei na moita, peguei meu skate e fui pra casa.

Eu fiquei deitada na minha cama por um tempo, olhando pro lírio branco no meu criado-mudo.
Eu não gostava do Lucas. E não tinha nenhum afeto por esse lírio. Eu só pedi porque... Era a minha flor favorita. É a minha flor favorita. Eu peguei o lírio e fiquei olhando pra ele em minhas mãos. Não. Eu não tinha pegado porque era a minha flor favorita. Eu não sei porque eu tinha pegado. Na hora, foi como se a Branca de Neve tivesse me possuído.
Guardei o lírio no lugar dele e fiquei olhando pro teto até adormecer.

- Acorda, Majú! Você tá atrasada! Vamos!- Acordei com a minha prima me chacoalhando, quase me jogando da cama.
Quando olhei o horário, percebi que estava uma hora atrasada. Para irritar a professora, fiz tudo com a maior calma do mundo. E só aí eu fui pra escola.
Cheguei na sala de aula e bati na porta.
- Mariote. Você está uma hora e meia atrasada. Não é permitido que assista a essa aula. Na próxima você pode vir.- A professora disse seca.
Eu comecei a pular no lugar e todos os alunos deram risada, até um dizer:
- Na verdade, professora, faltam dois minutos para dar uma hora e meia de aula. Então ela pode entrar agora.
Eu quis enforcar o Lucas! Tinha que abrir o bico?!
- Tem razão, Lucas. Entre, Mariote.
Fui para o meu lugar, que inclusive era atrás do dele.
Escrevi num papel:
' Tomara que você morra engasgado quando for falar mais alguma coisa sobre mim. '
Eu joguei na mesa dele. Assim que ele leu, riu um pouco e respondeu:
' Vai com calma, Ruivinha. Pensei que tinha ficado entediada todos esses dias fora da escola. Afinal, o que achou do livro? Já terminou? '
Não eu ainda não tinha terminado. Não estava acostumada a ler, então estava lendo mais devagar do que uma lesma subindo em uma parede.
Ignorei o bilhete e comecei a cuspir bolinhas de papel no cabelo dele. Ele as tirava e jogava em mim de volta, o que acabou virando uma guerra. A professora nos flagrou e novamente nos levou para a diretoria. Desta vez, ela fez um dos alunos ir com a gente, para que ninguém tentasse sair da escola. Enquanto esperávamos a diretora sair de uma reunião, fiquei jogando uma bolinha na parede.
Um minuto em que descuidei dela, Lucas a pegou e ficou jogando na parede também.
Ele queria me irritar. Eu faria o mesmo. Peguei o iPod que estava no bolso dele e comecei a ouvir as músicas. Zombei da cara dele, o imitando com a minha guitarra imaginária. Ele ia jogar a bolinha em mim, quando a diretora abriu a porta e me viu tocando uma guitarra e ele mirando a bolinha em mim. Involuntariamente, eu e ele começamos a gargalhar. A diretora nos deu uma advertência, e no caminho de volta para a sala, ele parou e disse:
- Então se eu quiser ser seu amigo, vou ter que lidar com a diretora todo o dia?
Eu parei também.
- Não, se você quiser ser meu amigo, vai ter que enfiar uvas nos ouvidos, colocar um chapéu de frutas e começar a dançar hula-hula. Acredite, essa tal amizade que você está falando, nunca vai existir.
Eu voltei a andar, deixando ele pra trás.

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