Capítulo 13

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Os olhos de Elyza abriram lentamente, tentando se acostumar com a luz do local. Todo o lado esquerdo do seu corpo doía. Ela tentou levar a mão direita ao ombro esquerdo, mas não conseguiu se mexer muito. Soltou um gemido e deixou cair o braço de volta.

Estava em uma sala totalmente branca, deitada em uma maca que provara ser muito desconfortável. Não usava a costumeira jaqueta de couro ou sua regata, e sim um traje hospitalar. Havia outras macas ao seu redor, porém só uma estava ocupada. Ela não conseguiu se levantar o bastante para identificar o companheiro de enfermaria.

Encolhida em uma cadeira de madeira e em sono profundo, estava Alicia. O rosto de Elyza se iluminou ao vê-la, mesmo que dormindo. Havia dias que Alicia não dormia bem, sempre com pesadelos onde voltava ao hotel ou discutindo com um tal de Jack (Elyza não questionara a garota sobre o nome e não deveria: Alicia contaria quando estivesse pronta).

Elyza tentou lembrar do último momento que estivera acordada. Ela levara um tiro de um cara que pensava estar morto e estava pronta para acompanhá-lo no inferno quando Alicia interviu. A garota atirou no homem sem remorso. Após isso, tudo era um borrão.

Ainda deveria estar na base militar, ela imaginou. Não existia outro lugar tão bem equipado para tratar de feridos e doentes em nenhuma outra vizinhança que o grupo passara. Lahey deveria ter cuidado para que recebesse o atendimento necessário. A outra pessoa na enfermaria também deveria ter machucado durante o ataque dos motoqueiros.

Onde estaria os Clark? Elyza mordeu o lábio e tentou novamente se sentar na maca. Não conhecia muito da família de Alicia, mas aprendera a se importar e gostar um pouco deles. Mesmo com seu corpo protestando, ela recostou a cabeça um pouco mais alto na parede. Não queria acordar Alicia, mas sentiu que isso era necessário. Tinha curiosidade em saber o que acontecera.

— Psst... — fez Elyza, tentando chamar a atenção de Alicia. Tentou estalar os dedos na frente da garota, mas foi inútil: seu corpo não conseguia mover mais do que dois centímetros. — Alicia!

A cabeça de Alicia escorregou vagarosamente pela cadeira, e ainda assim a garota não acordou. Elyza revirou os olhos. Chamou mais algumas vezes num tom mais alto. Isso atraiu a atenção da pessoa deitada. Era um homem na casa dos 40 anos com parte da cabeça enfaixada. Ele fez sinal de silêncio para Elyza e voltou a deitar. A garota sentiu o rosto ficar vermelho e xingou Alicia mentalmente.

— Porra, Alicia, acorda! — murmurou Elyza de modo urgente.

Surpreendendo Elyza, Alicia deu um salto na cadeira e a fitou, parecendo assustada. Ela tirou o cabelo do rosto e seu queixo caiu ao ver Elyza acordada. A garota correu para lhe dar um abraço.

— Ai... — gemeu Elyza, sentindo todos os ossos de seu corpo doerem. — Vá com calma.

— Você me passou um baita susto — disse Alicia sorrindo, sentando-se na cama de Elyza. — Dois dias sem acordar... até minha mãe ficou preocupada.

— Dois dias?! — Elyza exclamou sem acreditar. — Como uma bala me deixa fora do ar por tanto tempo?

— Os médicos disseram que você perdeu mais sangue do que deveria. Eles tiveram que fazer uma transfusão. Temos o mesmo tipo sanguíneo!

O coração de Elyza encheu-se de emoção ao ver o enorme sorriso que Alicia aparentemente não conseguia tirar do rosto. Havia algo naquela garota... os olhos verdes... o cabelo ridiculamente grande... o jeito que ela se defendia e enfrentava a família... como matara aquele motoqueiro a sangue frio para salvá-la... alguma coisa a puxava para mais perto.

Desde que entrara na Universidade de Tijuana, Elyza era a estrangeira. Ela tinha amigos, uma vida relativamente confortável e boas notas. Isso a garantia no círculo dos populares de seu campus. Era isso que atraíra o tráfico. Era isso que a mantivera na faculdade depois que seu pai cortou seu dinheiro.

Ainda assim, Elyza nunca se apaixonara realmente por alguém. Meninas iam e vinham tal como as drogas que vendia nas festas, mas nenhum era o que seu pai costumava descrever quando falava de sua mãe. E ela continuava a vida, afinal quem tem tempo para procurar amor ao trabalhar para um cartel?

Ao olhar para Alicia, após tudo o que haviam passado na última semana, a garota entendeu o amor que nunca conseguiu presenciar entre seus pais. Talvez os infectados surgiram para que ela encontrasse Alicia perdida em Tijuana. Talvez tudo o que fizera antes do fim da sociedade fosse para topasse com Alicia no meio da noite. Destinos e destinos.

— Eu beijaria você agora se não estivesse sentindo tanta dor — comentou Elyza, sorrindo.

Alicia riu e apertou a mão de Elyza.

— Não sei o que vamos fazer — confessou Alicia depois de um tempo. Ela tomou a liberdade de sentar-se ao lado de Elyza, fazendo a garota mover até quase cair da maca. — Minha família, eu digo. Nick quer ficar com Luciana, mas minha mãe não quer ir embora sem ele. E Travis só faz cagada quando está longe dela...

— Os Colonos? — indagou Elyza, lembrando de repente da razão pela qual estavam ali. — Todos estão bem? Acharam os outros no bloco dos motoqueiros?

— Nem todos. — O tom de Alicia era tristonho. Ela deixou que sua cabeça caísse no ombro de Elyza e ficou acariciando seu braço. — Os motoqueiros fizeram um jogo na noite anterior ao nosso ataque. Cerca de 30 morreram. Antes disso, o general disse que haviam exterminado alguns mais velhos. De acordo com Nick e Luciana, mais de 100 sobreviveram.

— Isso é.... bom, certo?

— Sim, claro que é. — Alicia curvou os ombros, ainda em dúvida. — Mas é tão... revoltante. Não matamos todos os motoqueiros naquele dia com a explosão. Lahey não acredita que eles possam voltar ou tentar dominar o forte na Reserva. Ele mandou homens para reforçarem o lugar. Estão até pensando em renovar a Colônia por lá.

— O que você quer fazer?

A pergunta era honesta e simples. Elyza sabia que Alicia queria se afastar da família para se entender melhor, embora ainda prezasse pela companhia deles. Ela também sabia que provavelmente a garota só a estaria usando como válvula de escape para tudo isso, mas Elyza sinceramente não se importava. Gostava de Alicia, de sua companhia e dos seus beijos. Qualquer outra coisa não interessava.

Alicia ficou em silêncio. Aconchegou-se mais no abraço dolorido de Elyza, e foi assim que a garota recebeu a resposta da sua pergunta. Não importasse para onde sua família fosse ou se continuasse pela fronteira, Alicia queria Elyza perto dela de qualquer maneira. Elyza se questionou se Alicia sentia a mesma coisa que ela. Se tinha se apaixonado tão rapidamente como ela.

— A gente devia voltar para Tijuana — sugeriu Alicia quando Elyza estava prestes a pegar no sono. — Suas coisas ainda estão lá. Sua casa fica relativamente perto da fronteira. E a sua moto...

— Minha moto! — exclamou Elyza em completo horror. Por um instante se esquecera da sua querida Harley-Davidson jogada às moscas no forte da Reserva.

— Lahey assegurou que ela fosse trazida para cá, não se preocupe — Alicia tranquilizou Elyza. — Como eu ia dizendo.... Sua casa. Ia ser bom ter um lar fixo.

— Eu certamente mereço um descanso depois dessa semana — concordou Elyza, lançando um olhar irritado ao braço esquerdo. — Espero que essa bala não piore meu jeito com armas.

Alicia riu.

— Você? Ruim com armas? Não vejo isso nem nos meus piores pesadelos.

— Você me conhece há poucos dias — zombou Elyza.

— Mas parece meses, não é?

Elyza timidamente concordou. Alicia se afastou um pouco e a fez olhá-la. A garota inclinou-se e encostou seus lábios gentilmente nos de Elyza. Seu toque a esquentou internamente. O corpo de Alicia era tão acolhedor... Elyza não hesitou em aprofundar o beijo mesmo com seu corpo gritando de dor.

As duas se ajeitaram na maca para que pudessem finalmente descansar. O corpo de Elyza, mesmo machucado e dolorido, se uniu ao de Alicia com facilidade. Após lutar contra traficantes, motoqueiros e quase toda a população bandida do México, Elyza podia muito bem curtir um abraço da garota que gostava.

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