chapter 9

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Sufocada (adj.f.): com medo do desconhecido.

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-Camila-

117 dias antes.

Eram exatamente dez e meia e eu já estava entre os cobertores da minha cama, a remexer as bainhas entre os dedos numa ansiedade incrível a encarar os ponteiros do relógio. Às nove e meia era hora de recolher cá em casa, então não seria assim tão difícil para mim estar às onze no parque como combinado. O que me fazia ter medo era apenas a possibilidade de ser apanhada. Os meus pais nunca mais iriam confiar em mim e eu ia arranjar sérios problemas. Mas eu queria tanto correr o risco.

Vesti roupas mais quentes antes de me deitar e cobri-me com os cobertores apenas até ter a certeza de que os meus pais já estavam deitados e não viriam ao meu quarto. Enquanto os meus olhos estavam vidrados nos ponteiros do relógio na minha mesa de cabeceira, o barulho irritante que estes faziam deixava-me ainda mais nervosa. Falta meia hora para as onze. Eu devia sair de casa para poder chegar a tempo. Mas eu simplesmente não arranjava coragem para me arrastar da cama. Preocupava-me onde a Lauren me iria levar. Preocupava-me a minha curiosidade também. O meu subconsciente gritava-me para não o fazer, mas eu não o ouvi. Por mais alto que ele gritasse, eu não o queria ouvir.

Com todo o cuidado para evitar fazer barulho, calcei-me e coloquei a mala ao ombro. Olhei-me ao espelho pelo menos mais duas vezes para ter a certeza de que o meu cabelo continuava devidamente preso com o laço. Ou seria apenas uma forma de adiar a saída de casa? 

- Não podes voltar atrás agora, Camila. - sussurrei para mim mesma em frente ao espelho e finalmente ganhei coragem para abrir a janela e descer.

Passei uma perna de cada vez pelo parapeito da janela, enquanto me agarrava firmemente às grades, respirando aceleradamente para tentar me acalmar. Eu não estava a muitos metros do chão, mas morria de medo de alturas e por isso senti de imediato a minha ansiedade ao rubro. Fechei os olhos numa tentativa de não tomar consciência da distância a que me encontrava do chão e segui apenas os meus instintos, apoiando-me sempre com os pés e as mãos onde conseguia até finalmente alcançar o chão. O grande desafio agora seria voltar a subir, mas pensaria nisso mais tarde.

Se há uns meses atrás me dissessem que hoje estaria a sair às escondidas pela janela do meu quarto para ir ter com uma rapariga, eu iria definitivamente rir dessa pessoa. Hoje, eu não me sinto surpreendida pelos motivos que me levaram a isto, mas sim porque eu realmente tive coragem.

Olhei em redor para ter a certeza de que podia avançar, e segui o meu caminho para o parque. E tenho que admitir, apesar do medo de ser apanhada e ficar de castigo para o resto da minha vida, e ainda, perder a confiança dos meus pais, eu nunca me tinha sentido tão livre.  A adrenalina e o medo percorriam o meu corpo transformando-se numa sensação estranhamente boa, e eu não queria que acabasse.

Felizmente, consegui chegar a horas. E lá estava ela. Sentada no mesmo banco onde a encontrei esta manhã, a folhear o mesmo livro que a encontrei a ler naquele dia no café. The Book Of Lies. Aquele livro parecia ter um grande significado, talvez até fosse o preferido dela.

- Pontual. - observei enquanto me aproximava dela, vendo-a sorrir para mim enquanto fechava o livro.

- Olá Camila. - gargalhou quase silenciosamente e passou os dedos pelos longos cabelos pretos, levantando-se para ficar mais perto de mim.

- Como te sentes? - perguntei um pouco sem jeito, coçando a manga da camisola, mostrando claramente os meus sinais de nervosismo.

- Sufocada. - respondeu rapidamente e sorriu-me. O maior sorriso que eu já tinha visto embelezar o rosto dela, deixando-me ainda mais confusa.

Suffocated | camrenOnde histórias criam vida. Descubra agora