04- A cura

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A confusão não havia passado disso; Uma confusão.

Ou ao menos para Elise e eu, já que o menino da perna quebrada sofreria as consequências e o agressor preso também, e os foragidos também, mas para Elise e eu tudo havia acabado bem... ao menos até aquele momento.

Nossas mães foram chamadas à delegacia, o delegado parecia puto com o caso, como se fosse inaceitável que crianças como nós estivéssemos ali, e depois quando explicamos tudo e nossa história foi corroborada pelos demais presentes na cena, ele ficou uma fera com os policiais que nos prenderam de forma indevida. Então, com tudo explicado, fomos soltos e cada um foi para sua casa acompanhado com a mãe, e o menino do terceiro ano também foi solto porque a polícia não podia manter o menor de idade preso quando a mãe dele mandou soltar.

Eu queria, de verdade, ter falado com Elise naquele tempo que passamos presos, mas não deu. Primeiro foi na viatura, mas lá tínhamos dado as mãos, mas não trocamos uma palavra, depois na delegacia, então separados enquanto esperávamos nossas mães chegarem. Achei que era melhor não falar nada ali devido aquela frase "tudo que você disser poderá e será usado contra você".

Então quando tudo foi resolvido nós nos separamos, ela foi para casa dela e eu para a minha, cada um acompanhado por nossos mães e fim. Agora, em casa, eu assistia a televisão vendo o apresentador fundamentalista do jornal policial falando de como a juventude estava perdida, e o pior é que eu não sabia se ele estava certo ou errado. Talvez se só não generalizarmos... seria bom.

O meu pai chegava sempre minutos antes do jornal acabar, e a situação se repetiu.

Eu me levantei e fui para meu quarto enquanto o carro entrava na garagem. Eu sempre fugia do meu pai porque as conversas não eram lá estimulantes e eu não estava contando em falar sobre o que aconteceu porque sabia o que ia escutar. Não tinha discutido nem mesmo com minha mãe sobre aquilo, quer dizer, falamos o básico sobre o ocorrido, mas não falei tudo que queria falar, que parecia precisar falar.

Só então percebi que estava me contendo, já fazia tempo, quanto tempo? Perguntei-me. Fazia meses que eu me controlava, evitava falar com eles para não parecer... O quê? Nem eu sabia! Mas mesmo assim evitava conversar com meus pais. Ficava na sala enquanto minha mãe estava na cozinha, então quando meu pai chegava eu ia para o quarto, minha mãe saia da cozinha para o quarto do casal evitando meu pai, a noite os dois dormiam juntos, virados para lados opostos... que situação estávamos!

Então estava no meu quarto, desenhando um unicórnio de guerra, quando ouvi a conversa dos dois. Minha mãe estava explicando sobre o que aconteceu, como fui parar na delegacia, a briga na escola, meu envolvimento tentando ajudar o menino da perna quebrada... meu pai pareceu primeiro ficar nervoso, mas ao ver a situação por completa ficou orgulhoso.

— O outro menino vai fazer serviço comunitário, pobre alma, vou rezar por ele.

Minha mãe havia dito sobre o agressor, ela é uma mulher bem religiosa.

Meu pai então veio falar comigo, bateu e abriu a porta em seguida. Eu estava sentado na minha mesa de trabalho, notebook aberto, mas em descanso, folhas, desenhos, esboços, lápis, canetas, réguas, tudo ali (com a volta as aulas eles tinham devolvido boa parte das minhas coisas, incluindo as que eu poderia usar para me causar dano).

— Sua mãe contou o que fez. Quer falar sobre?

Eu queria, mas não com eles.

— Fiz o que você me ensinou a fazer, pai. — Disse em um tom ameno. — Tentei ajudar alguém que parecia precisar de ajuda. Só isso.

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