27 - Mais Cortesias

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A semana passou tão depressa que eu me sentia quebrado na sexta-feira. Atividades complementares, entrega de trabalhos, tudo de uma só vez. Foi uma enxurrada de deveres que engoliram todo o tempo que eu poderia ter para diversão e outras coisas.

Junto ainda todos os problemas que se assomavam na minha vida, as coisas pareciam mais e mais tensas e insuportáveis. Nem mesmo os poucos momentos com Elise e David conseguiam me tirar do stress que só parecia se acumular, ainda mais porque Elise estava em uma campanha contra David, e eu estava me sentindo estranho com David desde o sexo (ainda tentando entender como tudo aquilo funcionava, aquilo de eu e ele e não nós).

E ainda tinha desenvolvido uma preocupação crescente com Henrique, mas sequer havia falado com ele ou com Giovane novamente, ou com Elise sobre esses dois. Aquela história, a vida que Henrique tinha antes, a breve vida que passou e a qual foi praticamente forçado a viver... eu estou no mesmo caminho.

Havia notado e isso me deixava grilado, acordado a noite e disperso nas aulas.

Não podia continuar com aquilo, eu sabia que estava me dirigindo a uma inevitável catástrofe que acabaria em dor e sangue. Com sorte se eu saísse vivo, eu seria o próximo Henrique do Comando. Será que sou tão bonito quanto Henrique para conseguir convencer as pessoas a comprarem drogas por mim? Ou sou dispensável?

Foi com esse medo intrincado nos meus pensamentos que eu roubei dinheiro da carteira do meu pai na quarta-feira e chorei durante toda a madrugada por isso sentindo o peso da ação, o remorso, a culpa e a necessidade. Ele provavelmente havia notado, sabia que eu havia tomado dinheiro, mas não reclamou. Por que? Não foi sem razão, eu precisava do dinheiro, mas por que ele não reclamou?

Na quinta-feira eu sequer jantei, com medo de ficar cara a cara com minha mãe e pai. Dessa vez eu fui longe demais. Pensava olhando para o dinheiro roubado. Dessa vez eu passei de todos os limites. Durante a noite eu chorei e pela primeira vez em um bom tempo eu rezei e pedi desculpas para Deus. Eu me senti culpado e pesado, sujo de uma maneira diferente que beijar David me fazia sentir.

— Eu não sou um ladrão. Não sou. — Havia dito com minhas mãos juntas olhando ao teto, olhando ao céu, olhando a Deus. — Você sabe que eu preciso, eu... não tenho escolha.

O que Henrique havia dito me fez repensar tudo aquilo. O que estava acontecendo, o que eu estava fazendo, o que eu estava ignorando, tudo... hora de recomeçar. Henrique me fez pensar em uma coisa muito importante; em mim mesmo!

Eu tinha que me preservar, cuidar de mim porque ninguém faria isso por mim.

Então na sexta-feira, 17 de novembro, eu tinha um plano a executar.

— Você tem certeza que vai fazer isso? — David me perguntou enquanto as pessoas saiam da sala.

— Eu vou arrumar outro jeito. — Disse para ele enquanto pegava o dinheiro de dentro da mochila. Dinheiro sujo. — Não vamos ficar sem, mas... acho que já deu de comprar com o pessoal da sala.

Elise estava sentada com as meninas do outro lado fazendo um trabalho juntas, na verdade ela tinha entregado já, estava apenas ajudando as amigas a refazerem os delas.

Atravessei a sala e o corredor até às escadas, desci seus degraus tentando parecer forte e cheio de confiança enquanto as pessoas conversavam apoiadas nas paredes, casais se beijavam sem se preocupar com olhares nos cantos, amigos riam livremente. Vai ser rápido. Você paga, não afrouxa a voz, vira e sai. Pensava firmemente enquanto andava por todas aquelas pessoas felizes e ignorantes dos meus problemas.

O plano parecia perfeito e fácil de ser executado. Afinal de contas, era justamente assim que as coisas funcionavam, eu tinha que pagar. Eu vou pagar e vai ficar tudo bem.

Primavera de RulimOnde histórias criam vida. Descubra agora