"Para levar uma vida melhor
Preciso que o meu amor esteja aqui"
(Here, There and Everywhere, de The Beatles)Mabel descia as escadas do avião, que a conduziam ao chão do aeroporto.
Ela tinha partido, ido embora de sua casa, deixado seu pai, que era tudo que lhe restava lá. Sua mãe? Bem, Mabel não a amava como deveria, e ela julgaria dizer que nem a mãe a amava como deveria também. A mãe não se importava, ou pelo menos não aparentava, então, mesmo que Mabel estivesse lá, não a teria.
Mabel acredita que não tem como você deixar algo que nunca teve, nem mesmo por um momento.
Ela respira fundo, e a primeira impressão que tem do local estrangeiro, as primeiras características que percebe na Inglaterra que as pessoas são... como explicar? Parecem ter mais cultura, mais conhecimento que os outros. Era bom andar e não precisar pensar que existem poucas pessoas ali com um livro na bolsa, porque provavelmente a maioria tinha pelo menos um.
Mabel tenta sorrir, mas não consegue, ao ver que todos ali tem alguém esperando, alguém com um cartaz, ou apenas a própria presença, para dar uma saudação. E Mabel... bem, ninguém a esperava. Só o pessoal do curso, mas ninguém se deu ao trabalho de recebê-la no aeroporto.
Mabel para em frente à esteira e consegue ver sua mala chegando. Ela reconheceria em qualquer lugar seu malão de Hogwarts, que tinha comprado pela internet, além da mala de Newt Scamander, que estava em sua mão.
A mala chegou até Mabel, que segurou-a pela alça. Mesmo pesada, Mabel sabia que conseguiria chegar até a rua sem desmaiar de exaustão. E, depois, tinha certeza que conseguiria um táxi para levá-la para o lugar onde se hospedaria.
Ela corre ao ver um táxi passar, e este para no primeiro sinal que ela faz. Mabel fica realmente impressionada com a agilidade com a qual o taxista parou, e ainda mais quando ele, prontamente, se disponibiliza de colocar a mala no banco de trás do carro.
Mabel agradece com um aceno de cabeça, enquanto andava em direção à porta do veículo. Ela diz o endereço ao taxista, e deixa que ele guie o carro pelas ruas enquanto ela apenas observa a janela. As casas, as pessoas, os restaurantes, as lojas... tudo era novo, tudo era uma novidade, uma aventura.
E isso era fascinante.
Mabel ainda está impressionada com aquilo tudo, quando vê que o táxi para rapidamente. Mabel abre a boca para perguntar o porquê da parada, quando o taxista diz que eles já tinham chegado em seu destino.
Mabel joga algumas notas no banco da frente e agarra suas duas malas, imprensando-as nas duas pernas, quase impossibilitando-a de andar.
- Aqui é o número 1116, não é? - o porteiro assente. - Eu sou nova aqui, ganhei uma bolsa da faculdade, e eles me informaram que eu ficaria por aqui. Será que o senhor pode me mostrar onde eu vou ficar?
O porteiro olha para Mabel, como se estivesse tentando reconhecê-la, ou processar o que ela tinha acabado de dizer.
- Ah, sim!... - ele exclama, de repente. - Me avisaram que você viria hoje. - ele sai do balcão em que estava e vai para a frente de Mabel. - Venha, vou te levar ao seu apartamento.
O porteiro entra no elevador e aperta o botão onde estava escrito o número 3.
- Esse é o seu andar. - ele diz, virando-se para Mabel. - A propósito, eu sou Peter.
Mabel sorri educadamente e aperta a mão que Peter estendia.
- Mabel. - ela fala, em resposta. Peter parece satisfeito, já que vira seu rosto para frente. Logo depois que ele faz o gesto, Mabel ouve um apito e a porta se abre, sinalizando que aquele era o andar desejado. Peter sai rapidamente, virando para o corredor à esquerda, sem ao menos prestar atenção se Mabel estava seguindo-o (ele presumia que ela estava fazendo exatamente isso, era provável).
Peter tira da jaqueta de porteiro um chaveiro e separa uma das chaves dali, uma dourada, e coloca na fechadura. Ele segura na maçaneta e abre a porta.
Quando faz isso, Mabel vê o lugar que seria sua casa durante algum tempo. Ela sorri, ao perceber que já se sente confortável.
Ela passa a mão pela bancada da cozinha americana, com um lustre vermelho em cima, a sala com uma grande estante de madeira, onde Mabel já consegue imaginar seus livros, um sofá que parecia ser muito confortável e a passagem para os quartos com portas de correr.
Mabel sai do seu transe com a voz de Peter dizendo que deixará a chave do apartamento em cima da bancada. Tudo que Mabel consegue fazer, devido a animação, é concordar com a cabeça e balbuciar um "obrigada", que Peter provavelmente não entendeu o que significava.
Mabel consegue ouvi-lo fechar a porta, enquanto ela passa a mão pela superfície da madeira da estante, que parecia ter sido lixada recentemente, de tão macia. O cheiro da casa já parecia familiar para Mabel. Ela deixa as malas no chão e se joga no sofá, e percebe que ele é ainda mais confortável do que tinha pensado. Ela tira as botas com o pé mesmo, e, finalmente, consegue se deitar em um sofá com jeans sem sua mãe reclamando que os detalhes dos bolsos iriam danificar o sofá.
Mabel levanta, mesmo sem querer fazê-lo, para ligar para o serviço de correio pelo qual pediu para entregarem seus livros.
Ela está com o telefone encostado no ouvido, até que ouve uma voz masculina do outro lado.
- Alô?
- Oi, aqui é Mabel Rodrigues. Eu pedi para que algumas caixas de livros fossem enviadas para Londres há uns três dias, e queria saber quando que a encomenda vai chegar.
- Já vou conferir, senhora. - Mabel assente, mesmo que o homem não consiga vê-la. - Senhora, a sua encomenda já está sendo transportada. Foi enviada ontem, então é provável que chegue hoje ou amanhã.
Mabel concorda com a cabeça.
- Tudo bem. Obrigada.
- De nada. Boa tarde, senhora.
- Boa tarde.
Mabel desliga o telefone, e deita de novo no sofá. Seus livros estavam chegando, ela tinha ganhado uma bolsa para estudar no exterior, tinha um apartamento maravilhoso totalmente arrumado, além do fato de estar em Londres, mas, de alguma forma, não se sentia completa. Pelo menos, não da maneira que deveria sentir, ao estar realizando o seu sonho.
Mabel fecha os olhos, e começa a pensar. Música acústica. Ela precisava de música acústica. Sempre a fazia se sentir bem, e se não a fizesse se sentir completa, pelo menos, a faria perceber o que faltava para isso.
Mabel sorri ao pegar o celular e pesquisar na internet onde teriam shows de música acústica naquele dia. Ela sorri, ao ver que teria um show de covers dos Beatles em um bar perto de sua casa.
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Hey, Jude
Short StoryMabel é uma escritora, que sempre viu nas palavras um refúgio. Seus pais achavam que ela era sedentária demais, o que, de fato, era, e que deveria fazer mais amigos. E Mabel estava satisfeita em ficar em seu quarto com os fones no ouvido e o dedo na...