Capítulo 4: Inverno

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Os coelhos avançam. Eu vou acordar. É agora que eu vou acordar. Adeus mundo cinza.

River reaparece na minha frente. Com a faca em mãos, ela mata vários deles. Ao que eles se aproximam, ela os corta. Com movimentos rápidos e precisos. Vejo um deles se aproximando sorrateiramente de lado. Eu não tenho mais pena dessas coisas. Pego meu machado e corto a cabeça da criatura antes dela pular em River. A garota me puxa pelo braço e me força a correr. Minha perna dói muito, mas eu consigo não ser um peso morto.

***

Despistamos as criaturas e encontramos restos de uma casa abandonada. Entramos, e nela descansamos.

Au! - Reclamo com o soco Que River me da no peito.

Você é louco?! - Ela grita em minha mente. - Quando algo de estranho acontece por aqui, você foge. Regra número um de sobrevivência.

Tudo aqui é estranho. - Falo em resposta.

Exato! Fuja de tudo! - Ela briga, dando uma volta pela sala.

River rasga uma das mangas da blusa que está usando e cobre o meu ferimento com ela. Não posso ter certeza, mas acho que se existissem cores aqui, eu estaria corado agora.

O-Obrigado. - Falo como uma criança.

O que foi? Tua mãe nunca lhe deu atenção? - Ela me olha com certa desaprovação.

Não sei se é só impressão minha, mas sinto que está mais frio aqui dentro do que la fora. River olha alarmada por um buraco na parede, que eu acredito que já foi uma janela. Ela aparenta sentir frio também, mesmo com os casacos de animais. Eu não peguei um. Arrependimento é algo bem chato. Encaro River. Seus olhos expressam uma preocupação, juntamente com um temor inquietante.

Mais algum bicho está vindo?! - Levanto-me do chão e seguro meu machado o mais firme que consigo, tentando parecer confiante.

Muito pior que isso. O frio está vindo. - Sua voz trêmula ecoa em minha mente assustadoramente.

***

Está frio. Muito frio. Nós conseguimos achar alguns panos sujos dentro dessa casa e cobrimos os buracos na parede com eles para barrar o vento gelado. "Por que eu não trouxe um casaco?" Esta pergunta faz eu me sentir um completo idiota. River me olha com uma desaprovação imensa. Tentei fingir que eu não estava com muito frio, mas foi impossível.

Não está tão frio pra mim agora. Mas pra River com certeza está. Isso por que ela me deu as peles que ela estava usando como casaco. Ela está tremendo muito. Quando ela respira, eu posso ver claramente o ar gelado saindo de suas narinas e boca. Ela anda de um lado para o outro sem parar, abraçando a si mesma e esfregando as mãos em seus braços, tentando aquecer o corpo.

Toma. - Faço um movimento para tirar a pele de mim, mas ela segura meus braços e me impede. Posso sentir o gelado extremo de suas mão. - Dá pra você parar de se arriscar tanto por mim! - Grito. - Se importe um pouco mais com você! Eu sei me cuidar!

Não! Não sabe! - Ela me repreende. - Vós és idiota! És lesado! És chorão e infantil!  - Ela muda seu olhar sério pra um hesitante e amedrontado. - Mas... Vós foi o primeiro igual a mim que encontrei por aqui. Eu estava sozinha. Me sentia completamente perdida. Com vós, eu me sinto mais próxima de casa. Eu não quero que vós morra! Eu não quero ficar sozinha. - Sua voz ecoa chorosa em minha cabeça. 

Agora, eu me dei conta de um detalhe. Eu não sou o único aqui com sentimentos. River também se perdeu aqui, assim como eu. Ela também tem família, casa, amigos. Ela também tem uma vida. Eu à tratei como se ela não tivesse emoções. Que porcaria inútil eu sou. Me levanto, ando até ela, e a envolvo em um abraço. Faço ela se sentar comigo. Nos encostamos na parede e ficamos juntos, dividindo o casaco dela.

Não vai servir muito se ficarmos nós dois usando. Não é muito grande. - Ela comenta.

Não importa. Estamos juntos nessa. Se for pra viver, viveremos os dois. Se for pra morrer, morreremos os dois juntos. - Eu a abraço mais firmemente, tentando aquece-la com o meu próprio calor, assim como tento me aquecer com o calor dela. - Eu não vou te deixar sozinha.

Ela me olha. Seus olhos são tão... lindos. Mesmo tudo aqui sendo cinza, esses olhos, eles me fazem ver um mudo colorido. Eles são a primeira beleza que vejo nesse mundo. Ela se deita em meu ombro, e ambos adormecemos.

***

Acordo. Olhe em volta. Tudo normal. River ainda adormece em meu ombro e nada nos atacou enquanto dormíamos. Percebo que meu corpo não treme mais. O frio passou. Acordo River animadamente e deixo ela perceber a ótima sensação do calor.

Sobrevivemos ao inverno. - Ela comemora.

Acho que "inverno" é pouco comparado aquele frio. - Comento.

Nós saímos da casa. Observo novamente esse mundo esquisito e amedrontador. Eu não acho que isso seja um sonho. Não mais. Isso é a vida real. Eu não vou acordar. Por que eu já estou acordado. Mas, mesmo tudo sendo tão difícil, eu tenho a River ao meu lado. Eu vou ajudá-la e ela vai me ajudar. Não sei por que, mas agora, sempre que olho pra ela, meu coração palpita de felicidade. Eu me sinto feliz por ela estar bem, e tenho medo por ela. Tudo que eu quero agora, é protegê-la. Não sei onde estamos, mas nós vamos voltar pra casa. Não quero viver aqui pra sempre, e não vou deixar River viver assim também. Vamos encontrar um caminho. De alguma forma, vamos.

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