CAPÍTULO I: O ASTRÓLOGO E A BESTA

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Baixa Brismânia, um ano antes


Um corvo pousou em um galho próximo e grasnou. O som se espalhou pelas estepes ao longe, como um grito gélido e melancólico, ecoando no vale abaixo e se perdendo na escuridão que começava a assomar sobre a floresta.

Maurice Lupin espiou pela janelinha da carruagem e avistou uma dezena de corvos ou gralhas negras se empoleirando na copa das árvores, como se estivessem os espreitando. Maurice nunca tinha visto uma floresta tão cheia destes pássaros, e o cair da noite começava a perturbá-lo. Uma neblina espessa levantava do chão como uma fumaça e cobria o alto das colinas com um manto cinzento. A carruagem descia o vale com rapidez, mergulhando na nuvem que se formava em volta das árvores. Então eles sentiram um solavanco e – bum! – a carruagem parou.

– O que houve, Au? – Maurice perguntou, esticando o pescoço para fora.

– Os cavalos estão assustados, senhor – disse o cocheiro.

Maurice fez sinal para Filipe ficar quieto ali dentro e saiu para averiguar. Se houvesse alguma coisa acontecendo lá fora, Maurice só esperava não se tratar de uma emboscada.

– O que é, Au?

– Não sei precisar, senhor. – Os olhos do cocheiro estava aflitos. – Ninguém falou sobre lobos. Falaram apenas sobre corvos.

– Corvos? O que foi que falaram?

– Eles disseram: os corvos são os olhos da floresta.

– Você tem medo de corvos, Au?

– Tenho medo do que os corvos podem ver, senhor.

Maurice balançou a cabeça.

Por volta do meio-dia, pouco antes de entrarem na floresta naquela manhã, eles pararam em uma estrebaria na beira da estrada para descansar os cavalos e se proteger da chuva. Era um barracão de madeira e pedra bruta que servia um copo de vinho amargo e uma refeição quente se você não tivesse muita restrição quanto à procedência da comida. Alguns homens da região bebiam em volta de uma mesa no saguão e Auguste, o velho cocheiro, era o único que compreendia algumas palavras na língua deles.

– O que foi exatamente que eles disseram? – perguntou Maurice.

– Eles riram quando eu disse que passaríamos pela floresta pela estrada antiga.

– Eles perguntaram alguma coisa sobre nós? Devem ter percebido que não éramos simples mercadores.

– Não perguntaram nada, senhor. Apenas nos alertaram sobre a estrada.

– Você sabe que não devemos arriscar conduzir Filipe por um caminho tão visado – justificou Maurice, num tom autoritário.

Naquele exato momento, uma carruagem suntuosa e escoltada por soldados da Coroa Valente viajava pelo caminho novo, a muitas milhas dali, pelo outro lado, a fim de despistar inimigos.

– Eles disseram que a floresta é assombrada – disse Auguste. – Todo mundo que tentou atravessá-la acabou desaparecendo ou ficando louco.

– E você acredita nisso?

– Com todo o respeito, senhor, acho que as crendices têm alguma origem real. Pelo menos o medo dessas pessoas é verdadeiro.

Maurice já estava com a rota traçada – ele era metódico e intransigente. Nenhuma crendice tola faria com que desviasse do caminho.

Auguste desceu do cocho para mijar, enquanto Maurice buscou dentro da carruagem uma tocha e um frasco de óleo. Teve dificuldade para fazer fogo por causa da umidade. Dentro da carruagem, Filipe continuava deitado sobre o encosto do acento, sonolento, aborrecido e indiferente.

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