A MULHER QUE NÃO SENTIA CALAFRIOS

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A noite ia alta e havia uma ordem para que ninguém cancelasse a festa.

Enquanto as pessoas da corte se movimentavam em alvoroço pelos corredores, em função da morte do rei, o Sr. Richter e Brida carregavam a jovem Lisa até o quarto da governanta, no alto do torreão.

– Feche a porta, Sr. Richter – a governanta ordenou.

O homenzinho espiou em volta, para garantir que ninguém os tinha seguido até ali, e então trancou a porta à chave.

Brida puxou um banquinho de madeira e trepou nele para alcançar um pequeno baú em cima do armário. Colocou-o no chão, sentou-se na cama e pediu que Lisa o abrisse. A menina levantou a tampa e tirou de dentro da arca uma peça de roupa aveludada vermelho-carmim.

– O que é?

– Era de sua mãe – disse Brida, sem perder a solenidade. – Sua mãe e eu éramos grandes amigas na juventude. Ela vinha de uma longa descendência de fadas.

Lisa olhou para ela – aquela mulher austera e soturna, que nunca em toda sua vida lhe permitiu qualquer tipo de afeto – e não podia compreender nada do que ela estava lhe dizendo agora. Não havia nenhum sentido em suas palavras.

– Sua mãe era uma camponesa do Vale do Cogumelo, em Arcádia, no Leste – Brida continuou. – Era filha de um elfo. Um elfo da Alta Corte Branca. Você carrega o sangue arcadiano nas suas veias.

Lisa achou que seu coração ia explodir.

– O que você está me dizendo, Brida? Que meu avô era um elfo?

– Exatamente. Um elfo da Corte Seelie de Arcádia. Um elfo que resolveu possuir uma mortal, sua avó. E que teve uma filha meio-fada, sua mãe.

Lisa olhou para o Sr. Richter, que parecia achar aquilo tudo muito natural. Ele fez um leve gesto com os olhos para confortá-la.

– Isso só pode ser uma brincadeira – disse Lisa, rindo nervosamente.

– Bem, vamos continuar – a governanta interrompeu o acesso de indignação da menina. – Portanto, esta é uma capa mágica. Uma capa feita pelo Povo das Fadas há muito tempo atrás, numa outra era. Sua mãe pediu que eu a guardasse para você até o dia em que fosse realmente necessário usá-la.

Lisa pegou a capa nas mãos. Era realmente muito fina e delicada. Não parecia ter sido feita por fiandeiras humanas. O carmesim intenso parecia brilhar diante dos seus olhos, mesmo na semiescuridão do quarto.

– O que eu devo fazer com ela?

A governanta se levantou e caminhou até a janela. Lá embaixo, no pátio, uma movimentação eufórica de criados e convidados chegando.

– Sua mãe a usava quando queria sumir. – Fez uma pausa e então continuou: – Você vai pegar suas coisas. Apenas aquilo que puder carregar nos seus bolsos. Então você irá desaparecer pelo bosque.

– No bosque! – Lisa gritou. – À noite?

Brida voltou até a cama e suspirou.

– Você tem a mesma força que sua mãe tinha. Não será difícil cruzar a floresta. Mesmo à noite.

– Cruzar a floresta!

O Sr. Richter pousou a mão em seu ombro.

– Escute, menina. Sua vida está em perigo desde agora. Se você ficar, é muito provável que a rainha lhe mande executar ainda esta noite. Contudo, ela não espera que você fuja pela floresta à noite. Esta seria sua única salvação. Este é um momento de alvoroço, em que sua falta não será notada. Amanhã, quando a rainha enviar seus soldados para persegui-la, você deverá estar longe e em segurança. Planejamos esta noite há muito tempo. Nenhum passo pode dar errado.

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