CAPÍTULO VI - A GUARDADORA DE GANSOS

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Elisa se vestia como uma empregada, trabalhava como uma empregada e dormia em uma alcova pequena na parte alta do castelo, nos porões, juntos com os empregados. Porque Elisa era, sem sombra de dúvidas, uma empregada. E tal como os demais empregados, ela precisava se deitar na frente da lareira no inverno, porque os porões do castelo costumavam matar de frio um ou dois empregados mais velhos a cada ano. Quando acordava, Elisa estava sempre coberta de fuligem – como estavam todos os demais empregados –, o que talvez tenha levado as pessoas da Corte a lhe apelidarem de Elisa Cinzenta.

Elisa Cinzenta – para nós, apenas Lisa – acordou naquela manhã mais exausta que de costume. Embora fosse um alívio ter lenha suficiente na lareira do quarto para passar a noite, era extenuante ter que dormir na pedra, sobre o tapete gasto, mesmo que ali fosse mais quente que na cama. Você talvez se perguntaria por que afinal ela não arrasta a cama até a frente da lareira, ora, e eu teria de lhes contar que a cama de Lisa era somente um bloco de concreto no canto do quarto, com um pouco de palha por cima. E então você perguntaria: por que ela não leva o colchão de palha até a frente da lareira? E eu lhe diria: bem, você já viu a lenha crepitando no fogo de uma lareira, e os pequenos pedaços de brasa que o fogo lança para fora? Você já viu o que uma lasca quente pode fazer na palha seca? Isso mesmo. Elisa Cinzenta não pode se dar ao luxo de ter ideias imprudentes.

Talvez sua agitação naquela manhã fosse devido ao movimento incomum dos pássaros no terraço do castelo, que dava para a janela do quarto dela. Lisa podia ouvi-los farfalhar e ruflar as asas em volta do torreão, como se estivem esperando para atacar a bicadas um visitante incauto.

Havia uma porção de corvos e pombos se empoleirando no terraço e no parapeito da janela, enchendo o chão de penas e fezes. Eles estavam fazendo aquilo desde bem cedo naquela manhã. Seus ruídos se misturavam ao barulho do jovem Peter cortando lenha no pátio, lá embaixo. Aquele garoto era realmente dedicado, e você podia ouvir seu machado rachando as toras de madeira antes de ouvir o galo cantar de manhã. No horário das laudes, a lenha que Peter preparava devia estar queimando no forno da cozinha, onde a senhora Brida, a governanta, e o senhor Fuchtel, o cozinheiro, começavam a preparar as refeições do dia.

Lisa tirou o cobertor felpudo emaranhado de fuligem de cima de si e correu os dedos pelos cabelos negros e longos, tentando desfazer os nós. Deu olá para os pássaros em sua janela, e eles lhe respondiam com um esgar agudo, esperando que ela os presenteasse com algum pedaço de pão ou o que fosse. Normalmente ela guardava um pedaço de comida que roubava da despensa na noite anterior, mas, naquele dia anterior, essa oportunidade não havia surgido.

– Eu sinto muito, queridos – disse ela para Frederico, o corvo, e Catarina, a pomba. – Hoje não terei pão para vocês. Houve uma festa grandiosa ontem à noite, e os empregados não deixaram a despensa sozinha nenhum minuto.

– Craaaaac – respondeu Frederico.

– Pruuu – acrescentou Catarina.

Lisa desceu as escadas soturnas do torreão e se sentou ao lado do forno na cozinha, esticando as palmas das mãos em direção ao fogo, até que uma das cozinheiras lhe alcançasse uma caneca de chá fumegante. Fazia muito frio lá fora, e a neve estava para cair, e provavelmente seria o inverno mais rigoroso pelo qual o reino já havia passado. A geada cobriu de branco os túmulos da família real nos fundos do pátio, e as roseiras no jardim já estavam quase nuas, e as copas das árvores retorcidas e amarronzadas. Então o calorzinho do forno nas suas pernas e o chá quente descendo em sua garganta era um pouco acolhedor. Um pouco.

Pelo menos até que a governanta chegasse e a espantasse dali.

O jovem Peter entrou na cozinha eufórico, gritando e sorrindo e trazendo um coelho morto nas mãos.

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