CAPÍTULO II: A VENDEDORA DE FÓSFOROS

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Reino de Bris, um ano depois


Próximo de uma vasta floresta vivia um velho fazendeiro, seus dois filhos e dois sobrinhos órfãos. Um garoto e uma menininha linda. O lugar quase miserável onde moravam ficava às voltas de uma grande planície, bem no meio do nada. Da porta de seu casebre dava para enxergar o campo cinzento que se estendia até o horizonte, as árvores escuras, a estrada de terra que levava ao povoado e as montanhas distantes em tons azulados; e isso era tudo. Durante inverno, quando pouca coisa resistia, o gemido do vento era agudo como a risada de uma velha, e poderia cortar seu rosto como uma faca bem afiada.

Você já ouviu uma velha louca gargalhar? Não queira saber como é.

Para ser honesto, este velho fazendeiro chamado Hessel nem sempre foi um fazendeiro. Era um soldado da Guarda na juventude e, depois de ser expulso por beber demais – e especialmente por beber em serviço –, saiu vagando por aí. Bebeu e comeu à custa do brasão bordado em sua antiga capa e trepou com cada mulher que encontrou pelo caminho, a maioria delas à força. Assaltou camponeses e se meteu em brigas, embora tivesse um admirável talento para se livrar delas. Por fim regressou, fez dois belos filhos na irmã mais nova de um comerciante e herdou a propriedade de seu velho pai – três acres de terra quase infértil, onde plantou nabos, rabanetes e abóboras; um riacho e um pequeno moinho; e uma pequena criação de porcos e vacas leiteiras. Sua mulher morreu no parto do segundo filho e ele acabou ficando doente do fígado. Esta é toda a história sobre ele.

Não, tem mais uma coisa: ele não é tio verdadeiro dos garotos. Hans e Greta eram filhos de Brod, seu irmão adotivo, que desapareceu na floresta com sua mulher há alguns anos. Pessoas do povoado diziam por aí que eles tenham sido devorados por um gigante que costumava rondar a região. Provavelmente era besteira, assim como provavelmente esse irmão adotivo era um bastardo do pai de Hessel. O tio nunca gostou muito dele, mas decidiu ficar com as crianças, pois seriam úteis na lavoura.

Naquela manhã, Greta ajudara o tio a se vestir, e trocara as roupas do espantalho na plantação de couves – porque os corvos voltaram a aparecer. Terminada suas tarefas, tio Hessel a chamou em seu quarto e, com aquela voz de velho debilitado que sabia fazer tão bem, disse a Greta que não havia um único pedaço de queijo na despensa, nem pães, nem nabos e nem repolhos, e tudo o que tinham era aquela vaca inútil que só dava prejuízo.

– Em cima daquela mesa eu deixei três dobres de bronze – ele disse. – O inverno está chegando e logo esta merda de terra não vai nos dar mais nada. Faça um favor para o seu velho tio e vá até o povoado comprar um pouco de pão, queijo e vinho. Leve aquele animal com você e troque por alguma coisa no mercado.

– Como pode dar prejuízo – Greta comentou – se ela só se alimenta de capim. – Mas o tio Hessel se zangou pela interrupção e, mesmo não tendo tempo para explicar como manter o pasto dava um trabalho danado, pediu a ela o enorme favor de levá-la ao povoado e evitar que morressem de fome naquela temporada.

– O inverno está chegando – disse tio Hessel – e não teremos nada o que comer quando a neve cobrir as plantações. Seria muito triste ter que cortar a cabeça da vaquinha fora para metê-la no fogão, e toda a vez que tirar os pedaços de carne de dentro da banha se lembrar de que se tratava de uma coxa, um rim ou uma costela dela, você não acha, minha querida?

A vaca era o último animal que sobrara do rebanho, que, em outros tempos, trouxe algum dinheiro à fazenda. Desde o início do outono a vaca não dava mais leite, porque todos naquele lugar estavam se alimentando mal.

– Não há outro jeito, tio Hassel?

O velho deu um grunhido mordaz.

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