Viagem para o inferno

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— Vamos, Leafarneo — gritou Cris.

— Agorinha, estou descendo — respondeu ele esbaforido.

— Não esquece de deixar a câmera aí em um local de fácil acesso — orientou Cris enquanto esperava no fim da escada.

— Local de fácil acesso — disse Leafarneo com a câmera nas mãos olhando para todos os lados. — Aqui. Super fácil acesso.

Leafarneo prendeu a câmera em um pedaço de ferro que saía do teto com a ponta coberta por ferrugem. Certificou-se de dar um nó duplo no cordão da câmera para ela não ser derrubada por uma ventania antes de descer ao encontro de Cris.

Depois de tantas escadarias, os dois tinham chegado ao terceiro andar.

— Cris, espera um pouco — disse antes de suspirar. — Você tem mesmo certeza de que estamos fazendo a coisa certa? — perguntou Leafarneo com a voz baixinha. — Afinal de contas, nós estamos fazendo o oposto do que você acabou de gravar naquele vídeo. Estamos confiando na ASMEC, quando na verdade não deveríamos confiar em ninguém.

Cris fitou seus olhos nos dele e abaixou a cabeça.

— Eu não diria que estamos exatamente confiando na ASMEC. Nós estamos somente aproveitando a única oportunidade da vida para termos o nosso Charles de volta. Pode ter certeza que eu estou levando todas as minhas desconfianças nessa viagem. Não há outro jeito. Não há. — As últimas palavras de Cris soaram baixinho.

Ela levou as mãos aos olhos ao abaixar o rosto e olhar para o chão antes de continuar:

— Por favor, não faz isso — suplicou ela. — Você não deveria estar me fazendo essa pergunta agora.

— Eu sei, eu sei. Péssimo momento para perguntas idiotas. Eu sei que não tem mais como voltarmos atrás com a nossa decisão. Eu disse "nossa", você ouviu?

Cris deixou um breve sorriso escapar no canto direito de seus lábios.

— Eu só fico um pouco inseguro — continuou Leafarneo. — Só isso. Eu sei que deveria estar transparecendo coragem nesse momento, que deveria ser forte por nós dois, mas... Sabe aquela pulga atrás da orelha que fica te incomodando quando você toma uma decisão difícil?

— Com certeza. Eu te entendo muito bem. Eu compartilho de todo esse medo que você está sentindo — ela fez uma pausa e prosseguiu com a voz um pouco mais vívida — Sabe aquele ditado: "faça o que eu falo, mas não faça o que eu faço"? Então, ele se aplica bem nesse momento. Eu acho que me embolei toda nas palavras dessa coisa, né?

Leafarneo sabia que deveria sorrir da tentativa de piada que Cris acabou de fazer. Mas o sorriso não conseguiu sair e ele ficou somente parado encarando-a com o olhar sério. Estava preocupado demais para sorrir.

Cris notou o desconforto de Leafarneo.

Ele começou a estralar os dedos das duas mãos ao mesmo tempo. Ela respirou fundo. Sabia que esse não era o primeiro momento de fraqueza que Leafarneo demonstrava. Por um instante, ela se lembrou de Leafarneo correndo sozinho na noite maldita do Nova Alvorada, deixando ela e Monstro para trás.

— Não — ela deixou escapar em voz alta.

— Não o quê?

— Desculpe — disse tentando se explicar. — Não foi nada. Não é nada com você.

Aquele "não" tinha um destinatário certo: sua mente. Precisava bloquear todos os pensamentos inseguros se quisesse seguir em frente.

— Nós estamos fazendo o certo pelo Charles, você sabe disso, não sabe?

LIVRO III - A Ordem do CaosOnde histórias criam vida. Descubra agora