Um Monstro Oculto Nas Trevas

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Uma imensidão azul se estendia por todos os lados do corredor circular de paredes transparentes. Por quê água?

Desde o início de seu plano para salvar Charles, Cris jamais imaginou que precisaria lidar com um ambiente tão adverso como aquele que se apresentava à sua volta. Ela se imaginou subindo e descendo escadas de incontáveis degraus no centro da cidade. Suas pernas doeriam, mas um bom descanso depois do sucesso de sua operação seria suficiente para recuperar seu corpo por completo.

Se não precisasse subir escadas infinitas para salvar seu amigo, ela estava disposta a hackear elevadores e portas para chegar aonde quisesse. Um prédio de cem andares não seria um grande problema para ela. Leafarneo faria a mágica dos transportes acontecer. Ela confiava nele. Confiava em suas habilidades perante um monitor e um teclado. Ainda se ele falhasse, seu plano A de encarar as escadas lhe serviria o propósito.

Mas ela encontrava-se debaixo d'água.

A imensidão azul a assustou de forma que somente lágrimas em abundância puderam aliviar uma pequena parte de sua aflição. Sentia-se duplamente presa. Um buraco naquela parede circular jamais a deixaria em liberdade, afinal, ela nunca teria fôlego para subir até encontrar novamente ar respirável. Não sabia se estava a cinquenta, a cem ou a mais metros de profundidade.

Pondo-se de joelhos com as mãos fechadas sobre as pernas, Cris reclinava-se em vai e vem para frente e para trás enquanto deixava as lágrimas escorrerem sem limite. Estava aflita demais para pensar em algo.

— Ei, garota. Você não precisa chorar desse jeito só por estar me vendo. Vem cá me dar um abraço para matar um pouquinho da saudade, vem — disse Camargo.

Cris cortou os soluços no mesmo instante em que ouviu o odioso discurso. Seus olhos encontraram os olhos firmes de Camargo, que com um sorriso no rosto, sustentava o convite para um acalentado abraço. Ela não desviou os olhos dele em momento algum. Se levantou ainda com lágrimas escorrendo pelo rosto e se pôs a caminhar até ele.

Ao dar o primeiro passo no corredor circular, sentiu uma leve sensação de que cairia dentro da água e se perderia por fim. Por um breve momento, quis que isso acontecesse. Seria um fim digno para todas as suas aflições. Seu corpo navegaria pelas águas de forma irregular até sua cabeça se chocar contra um dos corais, causando-lhe um sangramento irreversível que a faria partir para o outro mundo sem dor.

Mas e se a batida no coral jamais viesse? Seu ar ficaria rarefeito, escasso, acabando aos poucos. O buraco no qual ela cairia também seria o responsável por encher o corredor circular de água. Leafarneo e Charles seriam esmagados pela forte pressão da água que adentraria as instalações e morreriam, talvez antes dela. Seus poucos minutos restantes seriam marcados por ver pessoas importantes morrerem de forma brutal enquanto seus pulmões, pouco a pouco perderiam espaço para receber oxigênio. Eles estariam inundados e continuariam absorvendo mais água como esponjas sobre uma fonte de água torrente. Seu metabolismo aos poucos cessaria, levando-a a óbito em um lugar que seria a sua cova para todo e sempre.

— Eu estava falando sério sobre o meu abraço...

As palavras de Camargo mais uma vez puxaram Cris do seu afogamento mental e a colocaram em movimento mais rápido. Leafarneo e Charles abriram passagem para ela, que como um furacão se aproximou do agente e parou.

Ao ver as algemas apertadas em seus braços e as marcas vermelhas que elas lhe causaram, Cris sentiu um prazer como não sentia há tempos.

O objetivo de sua aproximação, porém, não estava nem perto de um abraço ou qualquer gesto afetuoso de sua parte. Jamais seria capaz de ter compaixão ou carinho por aquele que tirou a vida de seu amigo.

LIVRO III - A Ordem do CaosOnde histórias criam vida. Descubra agora