Capítulo 1

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            Quando eu ainda era criança, pouco depois que os gêmeos nasceram, meu pai falou que logo iriamos voltar para nossa terra natal. Na época fiquei muito empolgado, meus pais sempre contavam histórias das aventuras que viveram lá quando pequenos, depois de umas duas semanas meu pai disse que se arrependeu de ter me contado isso, porque todos os dias eu fazia a mesma pergunta "É hoje que vamos para a Itália pai?", ele dava risada e respondia "Ainda não filho".

Hoje tenho 20 anos, meu nome? Matteo Faganello Sartori, sou italiano, nasci em Reggio di Calábria, mas quando tinha apenas 3 anos, eu e meus pais, nos mudamos para o Brasil. Moro na Vila de Regência, um distrito do município de Linhares no estado do Espírito Santo. A Vila fica na área da Reserva Biológica de Comboios, tem cerca de 2mil habitantes, é um lugar simples, humilde e tranquilo com uma beleza natural, selvagem e calma. A maioria dos moradores são descendentes de índios, caboclos ou pescadores, sinceramente, não sei como meu pai achou este paraíso e resolveu morar aqui, mas foi a melhor coisa que ele fez.

Aqui na Vila tem uma das principais bases de monitoramento e pesquisa do Projeto TAMAR e eu faço trabalho voluntário lá. Ajudo a limpar os tanques, auxilio na época de desova e abertura dos ninhos, além de dar apoio na área de visitação e educação ambiental. Aqui, crianças e adultos aprendem a importância de manter a limpeza das praias e rios para a vida marinha e também sobre as tartarugas marinhas.

Depois que comecei a me envolver no Projeto aprendi uma infinidade de coisas que não fazia ideia como, por exemplo, que no Brasil ocorrem 5 espécies das 7 que existem no mundo, e que a pesca e o consumo de ovos as ameaçam de extinção, ou então que o estado do Espírito Santo é o único ponto do Brasil com concentração de desova de tartaruga-de-couro, que é a espécie mais ameaçada de extinção em nosso país, além de ser o segundo maior ponto de desova de tartaruga-cabeçuda e que em Regência é o único ponto regular de desova de tartaruga gigante, é espetacular o que se aprende aqui.

Amo este lugar, nossa praia é semi-deserta e com acesso controlado, permitindo o acesso em apenas dois pontos de toda a orla da praia, principalmente na primavera  e verão, que é a época de desova e abertura dos ninhos. E para variar a vila ferve de turistas, tanto para visitar o Projeto como para participar e assistir os campeonatos de surf, já falei que nossas ondas são as melhores? Ah não? Pois é, são. Tem algumas outras praias aqui perto que também são boas, como a de Povoação que tem ondas gigantes, mas a nossa é a melhor, não tem nem o que comparar. Até participei de dois ou três campeonatos, mas o surf nunca foi minha prioridade.

Outra coisa bem legal na Vila é o encontro da água doce com a salgada, a foz do Rio Doce é aqui, o nome do rio te lembra algo? Pois sim, a lama tomou conta do paraíso no ano passado, nossa, foi angustiante, a maioria das tartarugas já haviam feito seus ninhos e seguido viagem, mas algumas ainda saiam em meio ao mar de lama para depositar seus ovos na areia, foi desesperador ver e não poder fazer absolutamente nada, apenas monitoramos os ninhos e fizemos a remoção de todos eles para a parte mais distante da orla da praia, onde a lama ainda não tinha chegado, assim quando as tartarugas nasceram não entraram em contato direto com lama tóxica. Além do problema com as tartarugas, toneladas de peixes morreram e o turismo despencou em queda livre, depois dessa catástrofe a Vila está falindo, não tem peixe para pescar, não tem turista para visitar, não tem mar para surfar, por causa desse desastre resolvi fazer oceanografia, para tentar minimizar o impacto causado por atividades humanas no ambiente marinho e também para pesquisar sobre a vida marinha.

Começo a faculdade mês que vem, vou ter que morar em Vitória, porque aqui perto não tem o curso. Antes do acidente estava triste por ficar longe de minha família, mas agora de qualquer forma não a tenho mais comigo. As lembranças começam a rodar em minha mente, ah que saudade! Lembrei da conversa com o Dr. Almeida, ainda não tive coragem de ler a carta que meu pai deixou, apenas dei uma olhada no envelope onde estava a passagem, além de uma cópia do testamento, tinha a documentação da nossa casa e do apartamento em Vitória, mas o que me chamou a atenção foi uma folha sulfite com informações escrita à mão com caneta azul, eram as tais coordenadas que o Dr. havia falado, com datas e horários da viagem para a Itália. Ainda não acredito que meu pai fez isso!

Máfia: O Herdeiro SartoriOnde histórias criam vida. Descubra agora