A plateia estava inegavelmente constrangida. Aplaudiram o último a receber a Atribuição, mas o aplauso veio esparsamente, não mais num crescendo de entusiasmo geral. Ouviam-se murmúrios de confusão.
Jonas juntou as mãos e aplaudiu, mas foi um gesto automático, sem sentido, do qual nem teve consciência. Sua mente bloqueou todas as emoções anteriores: expectativa, excitação, orgulho, até o coleguismo feliz com seus amigos. Agora só sentia humilhação e terror.
A Anciã-Chefe esperou até os aplausos forçados terminarem. Então falou de novo, a voz vibrante, amistosa.
– Sei que estão todos preocupados. Acham que cometi um engano. E sorriu. A comunidade, ligeiramente aliviada em seu desconforto pelo tom bondoso da declaração, pareceu respirar com mais facilidade. Todos estavam muito silenciosos.
Jonas levantou os olhos.– Causei-lhes ansiedade – disse ela – e peço à minha comunidade que me desculpe por isso. – Sua voz fluiu por toda a multidão.
– Aceitamos suas desculpas – disseram todos em uníssono.
– Jonas – disse ela, baixando os olhos para ele –, peço desculpas a você em especial. Causei-lhe angústia.
– Aceito suas desculpas – respondeu Jonas, trêmulo.
– Por favor, suba ao palco agora.
Naquela manhã, ao se vestir em sua residência, ele treinara aquele andar lépido e confiante com que iria até o palco quando chegasse a sua vez. Foi tudo esquecido. Simplesmente se forçou a levantar-se, a mover os pés, que sentia pesados e desajeitados, para ir adiante, subir os degraus e atravessar o palco até se postar ao lado dela.
Para acalmá-lo, ela colocou o braço em seus ombros tensos.
– Jonas não foi indicado para uma atribuição, ele foi escolhido.
Ele piscou. O que ela queria dizer com aquilo? Sentiu uma movimentação na plateia, uma interrogação no ar. Eles também estavam intrigados.
Com voz firme e imponente ela anunciou:
– Jonas foi escolhido para ser o nosso próximo Recebedor de Memória.
Então Jonas ouviu a exclamação, assombro – todos os cidadãos ali sentados prendendo a respiração de repente, juntos. Viu a expressão de seus rostos, os olhos arregalados, admirados, reverentes – e continuava sem compreender.
– Uma escolha dessas é muito, muito rara – disse a Anciã-Chefe para a plateia. – Nossa Comunidade tem apenas um Recebedor. É ele quem treina seu sucessor. Já faz muito tempo que temos nosso Recebedor– continuou.
Jonas seguiu seu olhar e viu que se dirigia para um dos Anciãos. Os representantes do Comitê de Anciãos estavam sentados todos juntos, em grupo; e os olhos da Anciã-Chefe pousaram num deles, sentado no meio, mas parecendo estranhamente isolado dos outros. Jonas nunca havia reparado nele antes, naquele homem barbudo de olhos claros. Ele fitava Jonas com grande atenção.
– Fracassamos em nossa última escolha – declarou solenemente a Anciã-Chefe. – Foi há 10 anos, quando Jonas apenas começava a andar. Não vou me estender na experiência porque o fato deixa todos nós terrivelmente constrangidos.
Jonas não sabia a que ela se referia, mas notava o constrangimento da plateia. As pessoas se agitavam nas cadeiras, pouco à vontade.
– Desta vez não nos apressamos – prosseguiu. – Não podíamos nos permitir fracassar outra vez.

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O Doador de Memórias
Teen FictionJonas vive num mundo onde não há pobreza, doença, fome, divórcio, medo, nem dor. Todos têm família saúde, emprego, educação e lazer.As pessoas são treinadas para manter seus sentimento sob controle. As regras de conduta são invioláveis, os desejo...