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   – Eu fico aqui, Jonas – disse-lhe Fiona quando chegaram à porta da frente da Casa dos Idosos, depois de estacionarem suas bicicletas no local designado. – Não sei por que estou tão nervosa – confessou ela. – Já vim aqui antes tantas vezes. – E revirou sua pasta nas mãos.

   – Bem, agora tudo é diferente – lembrou-lhe Jonas.

   – Até as plaquinhas com nossos nomes nas bicicletas – riu Fiona.

   Durante a noite, a plaquinha com o nome nas bicicletas de todos os novos Dozes havia sido removida pela Equipe de Manutenção e substituída por outra, cujo estilo indicava um cidadão-em-treinamento.

   – Não quero me atrasar – disse ela, apressada, e começou a subir os degraus. – Se terminarmos na mesma hora, volto com você para casa.

   Jonas fez que sim com a cabeça, acenou para ela e rodeou o prédio, encaminhando-se para o Anexo, uma pequena ala nos fundos. Ele também não queria chegar atrasado em seu primeiro dia de treinamento.

   O Anexo era uma construção que nada tinha de especial, sua porta era bastante comum. Jonas estendeu a mão para a pesada maçaneta, depois reparou numa campainha na parede. Então apertou, em vez de girar a maçaneta.

   – Quem é? – a voz saiu de um pequeno alto-falante acima da campainha.

   – Sou eu, Jonas, hum…, o novo…

   – Pode entrar.

   Um clique indicou que a porta havia sido destrancada.

   O vestíbulo era muito pequeno e continha apenas uma escrivaninha, atrás da qual uma Atendente estava sentada trabalhando com alguns documentos. Ela ergueu a cabeça quando ele entrou; então, para surpresa de Jonas, levantou-se. Era uma coisa pequena, mas nunca ninguém se levantara automaticamente antes por reconhecer a sua presença.

   – Seja bem-vindo, Recebedor de Memória – disse, respeitosamente.

   – Ah, por favor – replicou ele, encabulado. – Prefiro que me chame de Jonas.

   A moça sorriu e apertou um botão que destrancou a porta à esquerda dela.

   – Pode entrar e ir em frente – disse ela.

   Então percebeu o estranhamento dele e compreendeu o motivo. Não se trancavam portas na comunidade, jamais. Não que Jonas soubesse.

   – As trancas servem simplesmente para garantir a privacidade do Recebedor porque ele precisa de concentração – explicou ela. – Seria difícil se os cidadãos perambulassem por aqui procurando pelo Departamento de Conserto de Bicicletas, por exemplo.

   Jonas riu e relaxou um pouco. A mulher parecia muito simpática, e era verdade – aliás, tratava-se de uma piada na comunidade – que transferiam o Departamento de Conserto de Bicicletas, um pequeno escritório sem importância, de um lugar para outro com tanta frequência que ninguém jamais sabia onde ficava.

   – Não há nada de perigoso aqui – ela afirmou. – Mas – acrescentou, olhando para o relógio da parede – ele não gosta de esperar.

   Jonas entrou depressa e viu-se num ambiente residencia confortavelmente mobiliado. Não era muito diferente da residência de sua unidade familiar. Os móveis da comunidade eram padronizados: práticos, fortes e resistentes, com a função de cada peça claramente definida. Uma cama para dormir. Uma mesa para comer. Uma escrivaninha para estudar.

   Havia todas essas coisas naquele aposento espaçoso, mas todas ligeiramente diferentes das que havia na casa de Jonas. Os tecidos dos estofamentos das cadeiras e do sofá eram um pouco mais espessos e luxuosos; as pernas da mesa não eram retas como as de sua casa, mas esguias e curvadas, com um pequeno entalhe enfeitando os pés. A cama, numa alcova situada na extremidade do aposento, estava envolta num cortinado feito com um esplêndido tecido, bordado em toda a sua superfície com motivos intrincados.

O Doador de MemóriasOnde histórias criam vida. Descubra agora