Passaram-se dias, passaram-se semanas. Jonas aprendeu, através das lembranças, os nomes das cores e começou a enxergar todas elas em sua vida comum (embora ele soubesse que nada mais era comum e que nunca mais seria). Mas não duravam. Numa hora era um lampejo de verde – o gramado no jardim em torno da Praça Central, um arbusto na margem do rio –, noutra, o alaranjado forte das abóboras sendo trazidas de caminhão das lavouras situadas além dos limites da comunidade, vistas, num instante, como um clarão de cor viva que desaparecia em seguida, quando voltavam à tonalidade uniforme e descolorida de antes.
O Doador lhe disse que ainda levaria muito tempo até que ele conseguisse manter a visão das cores.
– Mas eu quero vê-las! – exclamou Jonas, zangado. – Não é justo nada ter cor!
– Não é justo? – indagou o Doador, curioso. – Explique o que quer dizer com isso.
– Bom… – Jonas parou para refletir. – Se tudo é sempre o mesmo, então não há escolhas! Quero acordar de manhã e decidir coisas! Hoje vou vestir uma túnica azul ou uma vermelha. – Baixou os olhos para si, para o tecido sem cor de sua roupa. – Mas é tudo igual, sempre.
Então riu um pouco.
– Sei que não importa o que a gente veste. Não faz diferença. Mas…
– Poder escolher é que é importante, não é? – perguntou o Doador.
Jonas concordou.
– Meu irmãozinho – começou ele, depois se corrigiu. – Não, estou me expressando errado. Ele não é meu irmãozinho de verdade. Mas essa criança-nova de que minha família está cuidando, o nome dele é Gabriel…
– Sim, sei sobre o Gabriel.
– Bem, ele está numa idade em que aprende muito, o tempo todo. Agarra os brinquedos que seguramos na frente dele; meu pai diz que ele está treinando o controle dos músculos pequenos. E ele é realmente muito engraçadinho.
O Doador concordou.
– Mas agora que consigo ver cores, pelo menos de vez em quando, andei pensando: e se pudéssemos mostrar a ele coisas de cores vivas, vermelhas, amarelas, e ele pudesse escolher? Em vez da Mesmice.
– Ele poderia fazer escolhas erradas.
– Ah – Jonas ficou em silêncio um minuto. – Ah, estou entendendo o que quer dizer. Não teria importância quando se referisse a um brinquedo de criança-nova. Mais tarde, porém,
teria importância, não é? Não nos atrevemos a deixar as pessoas fazerem escolhas próprias.– Não é seguro? – sugeriu o Doador.
– Decididamente, não é – afirmou Jonas, cheio de convicção. – Imagine se pudessem escolher seu cônjuge? E escolhessem errado? – E prosseguiu, quase rindo da ideia absurda: – Ou se pudessem escolher o próprio cargo?
– Seria assustador, não é? – disse o Doador.
Jonas deu uma risadinha.
– Muito assustador. Nem consigo imaginar. Temos realmente de proteger as pessoas das escolhas erradas.
– É mais seguro.
– É – concordou Jonas. – Muito mais seguro.
Entretanto, quando a conversa se desviou para outros assuntos, Jonas ainda guardava uma sensação de frustração que não compreendia.
Verificou que agora estava sempre irritado: seus companheiros de grupo despertavam nele uma irritação sem razão, por estarem satisfeitos com suas vidas, que não tinham nem um pouco da vibração que a sua estava adquirindo. E sentia irritação contra si mesmo por não poder mudar isso para eles.
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O Doador de Memórias
Подростковая литератураJonas vive num mundo onde não há pobreza, doença, fome, divórcio, medo, nem dor. Todos têm família saúde, emprego, educação e lazer.As pessoas são treinadas para manter seus sentimento sob controle. As regras de conduta são invioláveis, os desejo...