– Dormiu bem, Jonas? – perguntou sua mãe na refeição da manhã. – Não sonhou?
Jonas limitou-se a sorrir e balançar a cabeça, ainda não preparado para mentir, sem vontade de falar a verdade.
– Dormi muito bem – respondeu.
– Gostaria que este aqui também dormisse assim – disse seu pai, inclinando-se para tocar a mãozinha fechada de Gabriel, que se agitava. O cesto fora colocado no chão ao lado dele; num canto, ao lado da cabeça do menino, o hipopótamo de pano estava sentado, com seus olhos fixos e inexpressivos.
– Eu também – disse a Mãe, revirando os olhos. – Ele é tão agitado à noite.
Jonas não escutara a criança-nova durante a noite porque, como sempre, dormira de fato um sono profundo. Mas não era verdade que não sonhara.
Inúmeras vezes, enquanto dormia, descera deslizando por aquela colina coberta de neve. No sonho, sempre lhe parecia que havia um destino: algo – não sabia o que – que se encontrava além do lugar onde a neve espessa obrigava o trenó a parar.
Ao acordar, permanecia em seu íntimo a sensação de que ele queria, até de alguma forma precisava, alcançar aquilo que o esperava à distância. Que aquilo era bom. Que seria bem-vindo. Que era algo importante, significativo.
Mas não sabia como chegar lá.
Procurou tirar da cabeça o resquício do sonho enquanto guardava suas tarefas escolares e preparava-se para o dia.
A escola parecia um pouco diferente. As aulas eram as mesmas: língua e comunicações; ciência e tecnologia; procedimentos civis e governo. No entanto, durante os intervalos para a recreação e para a refeição do meio-dia, os outros novos Dozes tagarelaram sem parar sobre seu primeiro dia de treinamento. Todos falavam ao mesmo tempo, interrompendo-se uns aos outros, pedindo apressadamente as devidas desculpas pela interrupção, depois esquecendo e interrompendo de novo, na excitação de contar as novas experiências.
Jonas escutava, bem alerta para a recomendação que recebera de não conversar sobre seu treinamento; o que, de qualquer forma, teria sido impossível. Não havia como descrever para seus amigos o que experimentara no quarto do Anexo. Como descrever um trenó sem descrever colina e neve; e como descrever colina e neve para alguém que nunca experimentou a altura nem o vento, nem aquele mágico toque de pluma da neve na pele?
Mesmo com a prática geral de muitos anos de precisão de linguagem, que palavras usar para transmitir a outra pessoa a experiência do calor da luz do sol?
Sendo assim, foi fácil para Jonas ficar quieto e escutar.
Depois da escola, pedalou mais uma vez ao lado de Fiona rumo à Casa dos Idosos.
– Procurei por você ontem – contou ela – para voltarmos juntos para casa. Sua bicicleta ainda estava aqui e esperei um pouco. Mas foi ficando tarde e resolvi ir para casa.
– Desculpe tê-la feito esperar – disse Jonas.
– Aceito suas desculpas – respondeu ela automaticamente.
– Demorei um pouco mais do que pensava – explicou Jonas.
Fiona seguiu em silêncio, e Jonas sabia que ela esperava que lhe contasse por quê. Esperava que lhe contasse sobre seu primeiro dia de treinamento. Mas perguntar seria entrar na categoria de grosseria.
– Você trabalhou tanto com os Idosos em suas horas de voluntariado – observou Jonas, mudando de assunto – que deve haver pouca coisa que ainda não saiba.
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O Doador de Memórias
Teen FictionJonas vive num mundo onde não há pobreza, doença, fome, divórcio, medo, nem dor. Todos têm família saúde, emprego, educação e lazer.As pessoas são treinadas para manter seus sentimento sob controle. As regras de conduta são invioláveis, os desejo...