21

253 20 0
                                    

   Daria certo. Eles conseguiriam fazer tudo dar certo, Jonas disse a si mesmo uma porção de vezes naquele dia.

   Mas à noite tudo mudou. Tudo – todas as coisas que eles tinham calculado tão meticulosamente – , tudo se desmantelou.

Naquela noite, Jonas foi obrigado a fugir. Deixou a residência logo depois que o céu escureceu e a comunidade se aquietou. Era extremamente perigoso, porque as equipes de trabalho ainda estavam circulando. Mas ele avançou furtivamente, em silêncio, mantendo-se nas sombras, passando pelas residências de luzes apagadas e a Praça Central vazia, seguindo na direção do rio. Além da Praça, avistou a Casa dos Idosos, com o Anexo atrás, desenhando-se contra o céu noturno. Mas não poderia parar ali. Não havia tempo. Cada minuto contava agora, e cada minuto precisava levá-lo para mais longe da comunidade.

   Chegou à ponte, curvado sobre a bicicleta, pedalando sem interrupção. Via a água escura agitar-se lá embaixo.

   Surpreendentemente, não sentia medo nem qualquer pena de deixar a comunidade para trás. No entanto, experimentava uma tristeza profunda ao abandonar seu amigo mais próximo. Sabia que o perigo de sua fuga impunha-lhe um silêncio absoluto; mas, com todo o seu coração e sua mente, chamava e esperava que o Doador, com sua capacidade de ouvir além, soubesse que Jonas dissera adeus.

   Acontecera durante a refeição da noite. A unidade familiar estava reunida à mesa, como sempre: Lily  tagarelando sem parar, a Mãe e o Pai fazendo seus comentários habituais (e contando mentiras, Jonas sabia) sobre o dia. Ali por perto, Gabriel brincava no chão, contente, balbuciando sua conversinha de bebê, de vez em quando olhando radiante para Jonas, claramente encantado por vê-lo de volta depois da inesperada noite passada fora da residência.

   O Pai lançou um olhar ligeiro para o pequeno.

   – Aproveite bem, rapazinho – disse. – Esta é a sua última noite aqui como visitante.

   – Como assim? – Jonas perguntou.

   O Pai deu um suspiro de desapontamento.

   – Bem, você deve ter visto que ele não estava aqui de manhã quando você voltou para casa porque o levamos para passar a noite no Centro de Criação. Achamos que seria uma boa oportunidade, com você ausente, para fazer uma tentativa, já que ele vinha dormindo tão bem.

   – Não foi bem? – a Mãe perguntou, solidária.

   O Pai deu uma risadinha amarga.

   – Você nem imagina. Foi um desastre. Parece que ele chorou a noite inteira. A equipe noturna não conseguiu dar conta do problema. Quando cheguei para trabalhar, eles estavam realmente exauridos.

   – Gabe, seu danadinho – disse Lily, e estalou a língua para repreender o pequenino, que sorriu para ela sentado no chão.

   – Sendo assim – prosseguiu o Pai –, obviamente tivemos de tomar uma decisão. Até eu votei a favor da dispensa de Gabriel na reunião desta tarde.

   Jonas pousou o garfo e olhou fixo para o Pai.

   – Dispensa? – perguntou.

O Doador de MemóriasOnde histórias criam vida. Descubra agora