Pego o violão, retiro a camisa de cima e assopro a poeira. As cordas estão meio gastas, mas faço um dó e o som sai perfeitamente limpo. Começo a dedilhar, seguindo a sequencia da música, que eu mesmo compus, mas que, certamente, será esquecida e jamais conhecida. É mais ou menos assim:
Minha doce princesa,
Seu castelo desmoronou,
Mas te digo com clareza,
Sua solidão passou.
Em meio ao caos e ao destino,
Nosso amor nos uniu,
E enfrentando monstros peregrinos,
Um poderoso elo nos uniu...
Eu não vou deixar, suas lágrimas caírem,
Não vou deixar, seu soluço te afogar,
Não vou desistir, de você, te garanto isso,
Não vou permitir, morrer em uma torre sozinhaaaa...
Eu sou seu príncipe, minha queridaaaa...
Me deixa entrar na sua vidaaaa...
O dia foi passando, passando e os gêmeos voltaram para casa. Estavam prontos, quando foram até meu quarto.
-Meu pai pediu para eu ver se ainda estava aqui. -Otávio disse.
-Não vai mesmo ir? O papai deixou... Ai! -Otanael fala, mas Otávio lhe dá uma cotovelada na costela, o fazendo parar.
Quase bufo com a cena. Eles eram ridículos.
-Não vou. Podem ir. -Digo, indiferente. Estava deitado, com o violão no colo. -Eu fico bem aqui. Sozinho.
-Tá. Tchau! -Otávio dá de ombros e leva o irmão, batendo a porta.
-Idiotas! -Resmungo, quando eles já se foram.
A solidão parece, finalmente, me atingir. Pego meu celular e, infelizmente, novamente, nenhuma mensagem registrada. Jonny deve estar naquela festa, junto com todos os outros garotos e a Érica.
Suspiro pesadamente.
Fecho os olhos, e abraço o violão, que ainda tem o símbolo do infinito que minha mãe desenhou quando o entregou para mim. Algo dela em que posso me agarrar.
-Acorda! -Ouço uma voz e sinto alguém me sacodir.
-Sai. -Murmuro de olhos fechados.
A cama está tão confortável e quentinha, e o sonho parecia tão real, que, seja quem for me acordando, merece punição! Eu estava com Érica, em um palco, em um show; um show nosso.
-Vê se pode! -A voz resmunga.
-Você o acordou? -Alguém chega e pergunta, essa segunda voz era mais idosa e calejada.
-Não. Acho que ele mudou de Cinderela para Bela Adormecida. E parece um sonho bom, tá até agarrando o violão, olha!
-Afaste-se Jonny, me deixe tentar acorda-lo.
Jonny! Abro o olho.
-Afonso! -Vejo o velho de perto, se preparando para mexer meu ombro.
-Uau. Foi rápido. -Jonny murmura.
-Jonny! -Me levanto se supetão. -Onde estava? Sumiu desde ontem.
-Estava cuidando de alguns negócios. -Ele sorri diabolicamente, mas não sei se é malícia dessa vez, a maioria dos sorrisos dele são diabólicos!
-O que está fazendo aqui? Já está na hora da festa! -Digo exasperado.
-Eu sei, mas eu só vou com o meu amigo. -Ele sorri, dessa vez não é diabolicamente, apenas afetuoso.
Olho para Afonso, que sorri também. Estranho!
-Não tenho fantasia. Nem entrei no concurso! -Jogo os braços ao ar. -Não tem motivos para que eu vá.
-É aí que você se engana! -Afonso fala. O olho, surpreso.
-Como assim? -Pergunto.
-Eu. Te. Inscrevi. -Jonny diz, pausadamente, de modo que fico surpreso.
-Espera. O QUÊ?
-Inscrevi você. No concurso. -Ele repete.
-Mas como?
-Eu e Sir. Afonso planejamos tudo. Eu sabia que aqueles paspalhos iam fazer algo contra você, foi por isso que eu tinha pedido aqueles cinco fichas reservas da Alexia, o problema é que eu não sabia que você iria preencher tudo e que eles iriam rasgar, o que complicava e ao mesmo tempo me ajudava no meu plano. Eu era o único aluno da escola com quinze fichas em branco, o que fez com que eu fizesse um leilão e, adivinha, seus irmãos arremataram os quatro ingressos que eu leiloei. -Ele diz seu plano.
-Quatro? Então os onze... -Tento falar.
-Calma, Cinder Elliot, vou chegar lá. -Ele me corta e permaneço mudo. -Então eles arremataram, por um preço quase que abusivo, mas leilão é leilão! Eu cobrei setenta e cinco por cada ficha, e os dois patetas, juntamente com o terceiro, pagaram. Eu achei injusto pegar os trezentos reais e, simplesmente, ficar por ficar, então aluguei fantasias para nós. -Afonso mostra a sacola.
-Tá, mas e as onze fichas?
-Eu as preenchi. Para você.
-Quem assinou a autorização?
-Afonso, ué! -Jonny aponta. -Ele que teve a ideia de leiloar. Ele sabia que os dois estavam loucos atrás de, pelo menos, um e que fariam de tudo para conseguir. Eu entrei em contato e vendi. E me dei benzão! Vendi e ainda sobrou.
-Mas... se Otto descobrir vai ferrar tudo!
-Como se eu fosse idiota, né! -Jonny faz uma careta. -Esqueceu que está falando com seu Elfo Padrinho? Eu preenchi tudo, com seu pseudônimo.
-Que seria?
-Cinderell.
-O QUÊ? -Sai mais alto que planejo. Ele é louco. Definitivamente, ele é louco.
-Eu falei com a Alexia, ela disse que, se fosse nome artístico, podia, e eu coloquei. E criei e-mail novo, novo número, a idade é a mesma, o que é bom, né? Cpf não é obrigatório e Afonso é o responsável. De nada.
Fico surpreso, mas a medida que vou entendendo, sorrio.
-É brilhante! -Digo. -Você é um gênio!
-Eu sei. -Ele limpa as unhas na blusa e as vê. -De nada.
-Er... garotos. Eu sei que estão empolgados, mas acho melhor se vestirem, não? -Afonso ergue as sacolas.
Eu e Jonny nos entreolhamos, sorrimos como quem tivesse planos. Peguei minha sacola, Jonny pegou a dele. Começamos a retirar. Olho a minha fantasia.
-É piada? -Pergunto.
-Vai logo, Cinder Elliot! -Jonny responde.
Olho a fantasia. Era apenas um versão masculina da roupa da Cinderela. A calça de príncipe, a camisa, cheia de bordados e com enchimento nos ombros; era branca, azul-bebê e com bordados dourados. O que implicava tudo era o grande C bordado nas costas, com uma coroa. E um enorme broche na frente, com a cara da Cinderela, aquela do desenho.
Perfeito.
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Cinder Elliot (Cinderela EM1)
FantasíaElliot Cider, vamos dizer, não era lá a pessoa mais sortuda do mundo. Perdeu o pai novo, o que fez com que sua mãe se casasse, escolhendo um homem rude e pai de dois garotos esnobes. Quando a mãe de Elliot morreu, seu padrasto mostrou ser um homem...