37. Júlia

8K 722 332
                                    

Quando Olivia me chamou para ir no banheiro, eu sabia exatamente do que se tratava.

Eu sempre gostei de cantar. Minha mãe me deu meu primeiro violão aos 6 anos e eu me sentia uma estrela do rock. Conheço os meninos desde o ventre da minha mãe já que nossas mães são amigas de escola.

Quando começamos a tocar na garagem do Bernardo era tudo uma brincadeira de adolescentes desocupados. Eu não tenho inglês na quinta feira. Eu tenho ensaio. Os meninos queriam mais, queriam reconhecimento. Eu não queria aparecer, era tudo um hobby. Adolescentes podem ser cruéis quando querem. Então surgiu a ideia da máscara. É uma coisa boba, eu sei. Mas quando uso ela, eu sou tudo o que queria ser. Depois de algum tempo, toda a escola conhecia a nossa banda e a Decode virou oficial. Tudo virou uma grande bola de neve. Os meninos recebiam atenção especial, as garotas queriam ser ela, eu ficava feliz só assistindo. Eles não desconfiariam de mim. E não fizeram. Os únicos que sabem além dos meninos, são meu irmão e a Olívia.

– Aqui. – Gustavo me entregou minha mochila.

Entrei em uma das cabines e troquei de roupa colocando uma blusa dos Ramones vinho e um short jeans preto. Amarrei os cadarços dos meus tênis. E sai arrumando meu cabelo no espelho. Joguei minhas roupas usadas na mochila e entreguei pra o Guilherme.

– Pronta? – Rodrigo me abraçou pelos ombros me abraçou pelos ombros.

Bufei. Ou pelo menos tentei bufar. Não sei bem como é, embora as pessoas nos livros façam isso o tempo todo.

– Eu nasci pronta babe. – peguei a máscara que a Olívia me oferecia e sorri pra o meu reflexo no espelho.

Os meninos formaram um círculo e estendemos as mãos desejando boa sorte e deixando claro que conseguiríamos. Depois de um abraço grupal. Fomos para o palco.

Então eu levantei meu véu.

Mamãe diz que todos nós temos um véu que nos separa do restante do mundo, como o que as noivas usam no dia do casamento. Só que esse é invisível no rosto. O mundo fica um pouco borrado, mas gostamos dele assim.

As vezes, porém, nosso véu é tirado por alguns instantes como se o vento o soprasse pra longe. E quando ele levanta, podemos ver tudo como realmente é, por apenas aqueles poucos segundos antes que o véu volte a seu lugar.

Enxergamos toda a beleza, a crueldade, a tristeza, e o amor. Mas, na maior parte do tempo, ficamos felizes por não vermos isso. Algumas pessoas aprendem a levantar seu véu sozinhas. Assim não precisam mais depender do vento.

Consegui ver todos eles enquanto cantava. Os casais que se beijavam. Os que discutiam. Os amigos um pouco bêbados demais.

E lá no meio eu vi minha família. Minha nova família. Aquela que pude escolher. Aquela que me aceitou como eu sou.

Vi Guaxinim dublando a música pra Victória. Vi Alex e Olivia pulando abraçados. Maethe e Alan discutindo pelas batatas fritas da mesa. Felps sussurrando no ouvido de Gabs fazendo ela rir em seguida. Calango sendo cantado por uma ruiva meio sem vergonha. PK e Sayu se beijando.

Esse último realmente me surpreendeu. Enquanto procurava Rafael pelo local, ouvi os último acordes de "Still into you".

Só o encontrei quando comecei a cantar um cover de "colors" da Halsey. Ele estava mais perto do palco do que qualquer outra pessoa. Tinha um sorriso enorme no rosto. Então eu soube. E como um quebra cabeça todas peças se encaixaram. Tive vontade rir de mim mesma. Todo esse tempo tentando descobrir quem era o Cellbit com as pistas embaixo do meu nariz.

De gente lerda na minha vida, já basta eu.

Quando a música acabou, eu tinha vinte minutos pra me recompor já que o Rodrigo iria cantar.

Vi o Rafael apontar com a cabeça pra a saída de emergência.

Quando desci do palco ignorei as pessoas ao redor e corri pra lá. Assim que empurrei a porta de ferro fui surpreendida por um abraço apertado. Ele se afastou de mim e puxou minha máscara pra cima.

– Como? – eu era assim tão previsível?

– Eu gostei dos seus tênis. – ele deu de ombros. Encarei meus pés e sorri pra os tênis de super-heróis que eu não tinha trocado.

– Eu odeio você. – ele riu. – É sério. Você é tão parecido comigo. – Rafael fez uma cara de confuso muito fofa. – Esse é o problema. – revirei os olhos. – Eu sou insuportável.

Ele riu novamente e colocou uma mecha do meu cabelo atrás da minha orelha.

– Não acredito que isso está acontecendo mesmo. – Rafa me beijou.

Senti que aquele era o meu lugar. Não no meio da rua no escuro. Mas nos braços do Rafael. Ele faz tudo parecer tão certo. Eu me entreguei a ele e não podia me afastar. Já era tarde demais pra isso, ele se tornou meu vício.

– Você vai me contar como tudo começou agora? – ele riu.

– Alex me deu seu número.

– Eu sabia que não tinha como ter pego meu número naquele dia! Eu apaguei logo depois que a Olívia escreveu.

– É, você foi bem ninja aquele dia. – ele deu de ombros. – Mas foi uma ótima desculpa pra começar a falar com você.

– Espera, então todo mundo já sabia? – perguntei incrédula.

– Você é meio lerda Nana. – ele passou os braços na minha cintura.

– E aquele lance com a Sayu? – dei um soco em seu peito.

– Ai! – resmungou. – Eu não sei, eu estava nervoso tá legal? A Sayu é amiga da minha irmã desde que nasceu. Além disso ela é louca pelo PK. – ele prendeu o meu nariz entre os dedos.

– Por que nunca falou comigo antes? Digo, já ouviu falar em flertes e encontros? – ri.

– Sempre fui uma pessoa "legal demais" – fez aspas no ar – As pessoas sempre me falavam que eu era um amigo ideal. Eu não queria ser só um amigo pra você.

– Não seja legal demais, Rafael. – passei meu braços pelo seu pescoço e coloquei minhas mãos em sua nuca. – Pessoas legais demais só se fodem.

Ele riu. Gostaria de dizer que ficamos os dez minutos restantes conversando. Mas na verdade eu estava ocupada demais com a minha boca colada na dele.

Senti meu celular vibrando no bolso traseiro do meu short. Gemi frustada fazendo o Rafa rir.

– Acho que estão precisando de você no palco. – ele baixou minha máscara.

Sorri enquanto empurrava a porta. Virei novamente e o encarei.

– Cellbit?

– Sim? – ele me encarou sorrindo.

– Isso é sério mesmo? – ri.

– Foi o Felps e o Alan que começaram a me chamar assim. – ele deu de ombros colocando as mãos nos bolsos da calça. – Não me pergunte porque. O apelido pegou.

– Certo. – Sorri voltando pra o palco.

Stalker || CellbitOnde histórias criam vida. Descubra agora