39. Rafael

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Ajeitei a gola da minha camisa pelo o que parecia ser a décima quinta vez e suspirei, antes de finalmente tocar a campainha.

A porta foi aberta por um garoto baixinho e moreno que usava óculos e tinha sardas espalhadas por todo o rosto, reconheci como o André e tentei parecer amigável - o que estava sendo extremamente difícil já que eu tremia mais que vara verde - O garoto arqueou as sobrancelhas e ajustou os óculos na ponte do nariz.

- Você é o Rafael? - reprimi o riso quando notei que ele estava tentando parecer intimidador.

- Sim, a sua irmã está?

Quando ele me deu passagem na porta e me guiou para a sala de estar, comecei a pensar em como vim parar aqui.

Flashback on

-Isso é um "com certeza" - ela riu e me beijou.
Depois de uma seção de amassos no meio da cafeteria, Julia ficou tensa de repente e me encarou.

- O que foi? - passei a mão por seu rosto. Minha namorada conseguia ser a garota mais bonita do mundo.

- Você vai ter que falar com meu pai. - ela abriu um sorriso forçado. Gelei.

- Isso é sério? Quer dizer, não é como se você nunca tivesse namorado antes não é? - ri. Julia se mexeu no banco parecendo incomodada. - Espera, você já namorou antes né?

Ela negou com a cabeça lentamente e corou, e eu pensei em como ela era bonita desta forma também. Eu era tão sortudo.

- Sempre estive focada demais nos estudos e depois veio a banda - ela colocou o cabelo atras da orelha. - E depois você. - limpou a garganta - Bem, o Cellbit, mas ainda assim você.

- Bom, se é para um bem maior, não chore quando eu me for. - ela riu - Sério, seu pai tem porte pra algum tipo de arma? Preciso usar algum colete à prova de balas?

- Não vou deixar nada acontecer com você. - paguei a conta depois de uma briga de quase meia hora sobre eu ser cavalheiro quando me convém . É claro que eu sempre sou cavalheiro. É isso que ela pensa de mim? Que ultraje!

Depois de uma despedida calorosa e de deixar a Júlia em casa. Vou pra casa do Guaxinim e fico jogando vídeo game até tarde com os garotos. Assim que chego em casa meu celular vibra.

"Jantar à quinta" -babygirl

Flashback off

Hoje era quinta.
Troco o buquê de mãos porque elas começam a suar, quero enxuga-las nos meus jeans mas o André não para de me encarar. Quando ele me deixa na sala, me sinto um animal no abatedouro. Deveria ser fácil. Pensei em ficar com a Júlia por toda a minha vida e não deveria estar com medo agora não é mesmo? Errado. Assim que o pai dela surge na sala sinto que vou desabar. A Júlia é muito importante pra mim, se é importante pra ela que me dê bem com o seu pai, é o que vou fazer. Henry Ventura era um cara de cabelos curtos e grisalhos, tinha um porte atlético, e um rosto com traços fortes. Julia tinha me dito que era jogador de futebol na faculdade. Ele conseguia ser assustador. As feições, eram as mais duras possíveis e me imaginei correndo pra casa e chorando no colo da minha mãe. Tia Luíza surgiu logo atrás, com seus olhos azuis e calmos sorrindo largamente e vindo me abraçar.

- Rafaa! - exclamou empolgada. - Sempre soube que vocês ficariam juntos, intuição de mãe não se engana.

Sorri envergonhado e entreguei o buquê de tulipas em suas mãos, eram as flores preferidas dela, minha mãe me disse. Vi ela sorri gentilmente e cheira-las.

- Não precisava, Rafa. André, coloque as flores em um vaso para a mamãe, sim? - o garoto soltou o celular e sorriu para mãe enquanto pegava as flores e corria pra cozinha. - Desmanche essa cara Henry, é o Rafa! Nós o vimos crescer.

- Quais são as suas intenções com a minha filha? - ele pergunta e sua voz grave me dá calafrios.

- Qual é pai! Isso é tão clichê. - Julia se joga em suas costas e posso ver o brutamontes sorrir.

Ela usa um vestido simples e sapatilhas, fazendo apaixonar-me mais a cada segundo. Alex sai da cozinha carregando o André nos ombros como se ele fosse um saco de batatas.

- A gente já pode comer? - pergunta enquanto tenta segurar as pernas do irmão que se debate.

- Claro! - tia Luíza sorri, não consigo imaginar ela de cara amarrada, é a pessoa mais sorridente que conheço. - Fiz seu prato preferido Rafa.

Assim que eles seguem para a cozinha sinto dedos se entrelaçando nos meus.

- Ele só quer te assustar. - Julia beija minha bochecha, quero dizer a ela que ele está conseguindo exatamente o que queria mas tenho que me manter forte. - Não se preocupe, meu pai te adora.

Essa informação me surpreende, mas acho que é uma tentativa falha de me acalmar. Julia sorri e me arrasta para a cozinha.

[...]

No final das contas ele realmente gostava de mim, me disse que não conseguia imaginar pessoa melhor pra cuidar da sua filha. Lembro que naquela noite, fiquei jogando vídeo game com o André até tarde e visitei pela primeira vez o quarto da minha namorada. Com a porta aberta - ordem do pai dela, é claro - Descobri as paredes mais cobertas de pôsteres de bandas de rock que já vi em minha vida, além de umas fotos constrangedoras de quando ela era menor. Pensando bem, não mudaria nada do que passei pra conquistar a Julia. Foi a Julia afinal que me fez pensar em presentes significativos de aniversários de namoro. Foi Julia que me fez não querer desistir de uma pessoa depois da primeira briga. Foi ela que me fez enxergar o quanto era espantoso o medo de perder alguém.

Namoramos por três anos. Ela sempre com suas surpresas e brincadeiras, eu com minha risada estranha e todo amor do mundo. Ela sempre pensando em mim quando ia dormir, eu com minhas mensagens carinhosas.

Ao final do ensino médio ela ganhou um intercâmbio em um curso que fazia. Nos Estados Unidos. Apesar da insistência dos meus amigos, não fui vê-la no aeroporto. Também não fui ao show que a Decode deu na noite anterior a sua partida como despedida. Estava tentando me manter forte e não desmoronar. Eu amava Julia com tudo de mim, e preferia me distanciar a vê-la partir.

Lentamente, diminuímos o contato. Me relacionei com outras garotas, falar com ela ficou mais fácil, mas nunca chegou perto de ser a mesma coisa.

Ontem Julia voltou. Comentei que deveríamos nos ver qualquer dia desses, colocar o papo em dia. Ela, me conhecendo o suficiente pra saber que eu poderia fugir a qualquer momento, insistiu para que fosse hoje.

Então é isso. Falta meia hora para o nosso encontro. Estou pronto. Não sei como vai ser. Talvez seja estranho, talvez não saibamos o que falar, talvez eu quebre o silêncio com a minha risada forçado que consegue ser mais estranha que a normal. Talvez descubramos que não temos mais nada a dizer e inventaremos uma desculpa para ir embora mais cedo.

E talvez, só talvez, eu queira registrar tudo isso porque ainda sou totalmente apaixonado por Ana Julia Ventura.

Talvez eu devesse pedir pra acrescentarmos mais capítulos a nossa história.

Stalker || CellbitOnde histórias criam vida. Descubra agora