Parte 1
O Bosque de Ogash
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O Cantar dos Grilos
Espírito Santo, Brasil, 1940.
A tarde já chegara ao pacato vilarejo de Oriente, uma pequena comunidade habitada por pessoas comuns, como tantas outras, sem grande importância. Situava-se em meio a matas e bosques enormes. Um lugar de difícil acesso, esquecido por governadores e desconhecido por tantos da cidade.
- Liz, vá buscar leite para sua mãe! Pretendo fazer uma torta - a voz suave de Clarisse ecoou pelo eirado em torno de seu casebre.
- Já estou indo mamãe! - A menina respondeu correndo até a vivenda. Retirou do armário um jarro velho de barro e caminhou dando pulinhos na direção do curral no outro lado da estrada.
Desde que se entendia por gente, Elizabeth Shetspea, ou Liz, como preferia ser chamada, morava com sua mãe em uma casa feita de tijolos baratos, já que não possuíam grande renda para melhorias. Seu pai morrera antes dela nascer, em uma trágica briga de rua, o que colaborou para que mãe e filha se apegassem de forma sobeja. Clarisse Shetspea viera de Valdivia, no Chile, ainda criança junto de seus tios, que acabaram falecendo quando a menina tinha apenas 12 anos. Oriente era habitado por cerca de 50 pessoas, todas trabalhando na agricultura. Não existiam famílias ricas, todas eram pobres, viviam da troca, caça, pesca e de vastos plantios.
A casa de Clarisse situava-se ao centro do vilarejo, rodeada por um extenso terreiro, e mais adiante longas plantações de abóbora, algodão e arroz. Eram cerca de 15 famílias, vivendo da ajuda do próximo, tendo como ganho pouquíssimos réis, a moeda predominante na época.
- Aqui está o leite mamãe! - Liz proferiu entregando o jarro farto para sua mãe.
Não era de hábito Clarisse pedir leite ao curral vizinho, já que não tinha dinheiro suficiente para pagar. No entanto, Liz não compreendeu o que acontecera, mas por ser educada, obedeceu sem questionar tais atos.
- Muito obrigada, filha! - A mãe agradeceu adentrando a vivenda.
Elizabeth varreu os olhos azuis à sua volta e pode ver, na tarde de sexta, os trabalhadores recolhendo-se em suas casas. Sentou-se em um amontoado de terra e observou seus amigos darem as mãos a seus pais e entrarem em seus casebres. Nunca sentira a falta de seu pai, mas em certas ocasiões, não hesitava.
Com 10 anos na época, Liz não compreendia muito bem os assuntos financeiros. Para ela, todos deveriam ganhar a mesma continha de dinheiro, de modo que vivessem bem, porém quando crescesse, ela mal sabia, entenderia o porquê do dinheiro existir e se sentiria mau só em pensar na resposta.
Seu corpo estava coberto por um vestido maltrapilho, na qual sempre usava nos dias de semana. Isso explicara os borrões de barro na sexta, já que brincara com seus amigos desde o nascer até o pôr do sol e ajudara sua mãe no plantio de arroz. Era franzido na cintura, feito do próprio algodão cultivado no vilarejo, remendado por panos de diferentes cores, com a gola redonda e a calda rebatendo em suas canelas. Nos pés, usava uma velha sandália de dedo, a única que tinha, que ganhara da família vizinha em seu décimo aniversário. Os cabelos negros caiam em seu rosto, fazendo com que Liz o jogasse para trás constantemente, uma tentativa inútil, já que o vento soprava fortemente sob a mesma.
Ergueu as mãos e respondeu aos cumprimentos de seus amigos que limpavam os pés para entrarem nos casebres, alguns de tijolos de barro, outros de madeira e até de pedras, sempre cobertos por folhas de palmeiras, encontradas nas florestas que cercavam a comunidade.
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O Portal De Élkans - Trilogia Dons
FantasyTalvez, sua percepção para com a vida não seja uma das mais corretas possíveis, além do mais há quem acredite que animais falam, pensam e vivem escondendo-se dos olhos ambiciosos dos seres humanos. Talvez, o que pensamos ser real não passe d...