12

11 1 0
                                    

O Dom

  Afonso e Elizabeth dormiam um ao lado do outro, sem cobertores, sem colchões e sem travesseiros. Um sono horrível e exaustoso. Aquecendo-se somente com seus corpos. Acordaram na manhã seguinte com o estômago doendo, estavam sem forças e desanimados. A única coisa que ouviam era o ranger das madeiras e o tilintar de seus próprios passos. O cheiro de eucalipto já os enjoara e a expectativa de escaparem dali ia se acabando rapidamente.

  – Oh... Lembrei-me agora! Não é possível conjurar algo em templos de feiticeiras, por isso seus poderes não se manifestaram! – Afonso quebrou um longo silêncio enquanto lembrava-se das palavras de Moglim há alguns anos atrás.

  – O que está dizendo Afonso? – Liz entendera, mas por impulso tornou a perguntar.

  – Em templos de feiticeiras, como esse chalé, não é possível conjurar nada. Seus poderes não funcionam aqui! – O arqueiro repetiu.

  – Entendi – Elizabeth retorquiu sem ânimo. – Isso ainda piora nossa situação...

  – Bem... Eu... Eu preciso... Eu preciso te contar uma coisa! – Afonso gaguejou com uma expressão excêntrica enquanto coçava a barba castanha.

  – Diga – A menina não deu grande atenção.

  – Você não conhece muito bem Ogash – ele começou. – Mas eu já moro aqui há muitos anos, e já vi inúmeras coisas acontecerem... Quando vim para cá, pensei que tudo fosse sonho, como você também pensou, porém essa ideia logo saiu de minha cabeça, pensei que o Bosque de Ogash era simplesmente uma floresta comum, onde eu havia só me perdido...

  – Fale logo o que é que está havendo Afonso! – Liz o interrompeu impaciente.

  – Tudo o que existe em Ogash possui poderes, ou melhor, possui dons. Como no meu caso, que me transformo quando quero em uma raposa – o arqueiro foi direto, deixando a menina com uma expressão perplexa.

  – Você está dizendo que se transforma em raposa? – Elizabeth deu um sorriso muxoxo.

  – Sim.

  Um silêncio gritante penetrou na sala onde estavam. Afonso permanecia com uma expressão acanhada e a Elementure perplexa, sem entender muito bem.

  Em Ogash tudo o que se possa imaginar é mágico, o ar, as plantas, a terra, o fogo, o céu, absolutamente tudo. Afonso, há muitos anos atrás ganhou o dom que permitira-lhe transformar-se em uma raposa. Todos os animais do bosque ganharam a divindade da falar e pensar, como Cona ganhara também os poderes que possui. Porém, o arqueiro tinha vergonha de usar seu dom, fazia que todos pensassem que sua divindade não chegara ainda, mas ele próprio, às escondidas, corria entre arbustos e árvores, saltitando pedras e córregos em sua forma mágica.

  – Mostre-me – Liz disse. – Mostre-me seu dom!

  – Bem... É... Eu tenho vergonha...

  – Vergonha? – A menina quase gritou. – Como assim? Raposas são lindas, onde eu moro, em Oriente, existem muitas!

  – Eu acho as raposas esplendidas! – Por um momento Afonso se animou, mas logo continuou cabisbaixo. – Mas acho-as muito femininas...

  – Afonso! – Elizabeth franziu o rosto. – Está sendo tolo. Onde já se viu isso? Que ideia mais tosca! E preconceituosa!

  Afonso suspirou, sentou-se no chão encostando as costas na parede de madeira e começou:

  – Uma vez – esperou que Liz sentasse a sua frente –, quando eu ainda morava na casa da árvore junto com os animais, antes de Cona descobrir-me, eu fiz um amigo, o nome dele era Lucas, apesar do nome humano, ele era um falcão peregrino, muito grande. Era todo emplumado, com cores estonteantes e penas maravilhosas. Tornamos-nos melhores amigos, mas o único problema era que a ave achava-se o rei dos céus. Queria mandar em todos, mas bem no fundo era gentil e isso me cativava. Descobri meu dom quando eu e Lucas caçávamos pela floresta, procurando frutas e animais que não falavam, enquanto eu corria com meu arco no solo, o falcão voava com olhos bem atentos no céu de Ogash, foi quando deparei-me com um tigre que ainda não possuía o dom, logicamente eu não podia matar o animal, ele era tão lindo... Eu precisava correr e me esconder e foi aí que Lucas estragou tudo, pousou em minha frente, dizendo-me para atirar no bichano... Serrei os dentes e apertei os punhos, foi aí que quando me dei conta, estava transformado numa raposa vermelha... – Afonso deu uma pausa.

O Portal De Élkans​ - Trilogia DonsOnde histórias criam vida. Descubra agora