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Um Sorriso Encantador

  Não era fácil lidar com aquilo, ela era tão pequena, inocente, uma criança ainda. Carregaria o trauma de ter sido abusada para o resto da vida, já o desgraçado queimaria nas profundezas do inferno. Ara, Liz, Afonso e Elpros nunca se sentiram tão angustiados na vida, sentiam pena da pobre garota, imaginavam quanto sofrimento ela iria passar. Porém a única coisa que puderam fazer era ajudá-la.

  – Está com frio? – Elpros sibilou deixando que a névoa saísse calmamente de sua boca.

  Ela assentiu com a cabeça enquanto cobria-se com a capa grossa de lobo que o rapaz retirara da barriga e colocara diante da garotinha. Afonso permaneceu na porta, tinha de vigiar caso alguém se aproximasse. Olhou de relance para o corpo nu no chão e sentiu o vômito subir na garganta. Voltou a olhar as cabanas velhas lá fora com seus telhados cobertos de neve e suas paredes querendo despencar.

  – Como se chama? – A fada indagou fitando os olhos azuis da menina. Ela era realmente linda.

  – So-o-oll – gaguejou. – Eu me chamo Soll – sua voz era tão suave quanto o ranger de águas nascentes. A pele bronzeada como moças do litoral e o rosto tão espantado como gatinhos ao encontrar com cães ferozes.

  – Que nome lindo – Liz aproximou-se mais. – E quantos anos você tem?

  – 7 ano-o-os – sua voz ainda estava trêmula.

  – Podemos te ajudar? – Elpros usou de sua voz mais doce, o que era um pouco impossível, já que a mesma era grossa e firme.

  Soll fez que sim com a cabeça. Tudo tinha que ser rápido, antes que alguém aparecesse ou tudo fosse por água abaixo. As roupas maltrapilhas da garotinha a deixavam com uma expressão triste, o ar da cabana cheirava a fezes e o homem morto os dava arrepios.

  – Onde colocaremos o corpo? – Afonso olhou rapidamente para os quatro dentro da vivenda e continuou a fitar a neve cair lentamente lá fora. As nuvens negras ficavam cada vez mais densas.

  – Queime. Queime o corpo – Elpros contemplou os olhos azuis de Elizabeth. – Reduza-o a pó!

  – Eu... Não... Talvez eu não consiga – ela gaguejou, ainda não tivera tempo suficiente para testar seus dons, nem sabia o que podia fazer. – Não compreendo a magia e a dominação dos elementos...

  – Ora essa, pense, pense em uma língua de fogo queimando o desgraçado, porém tenha cuidado, mantenha o fogo sobre controle e...

  – Vou tentar – a Elementure interrompeu-o. Ara assentiu com a cabeça e deu espaço segurando Soll pelas mãos e levando-a até a porta junto de Afonso, Elpros sorriu para Liz e fez o mesmo.

  Os olhos da Elementure se apertaram diante do defunto. A cabeça latejou. O corpo se esquentou e ela sentiu calor, o qual era praticamente impossível naquelas condições. Eu vou conseguir, pensou. Suas mãos esticaram-se na direção do homem e refletiu em labaredas pipocando sobre o morto. Ponderou em línguas incandescentes dançando dentro dele. Fervendo o seu coração. Dilacerando o cérebro.

  Soll apertou a cintura de Ara delicadamente e em seus olhos refletiu a língua de fogo. Uma lágrima transpassou suas curvas faciais e pingou no solo batido. E em menos de dois minutos, só restou cinzas diante dos cinco. Apenas cinzas e um cheiro horrível de carne humana assada.

  – Eu consegui – ela sussurrou. – Eu consegui – aumentou a voz abrindo os olhos. Não acreditara no que fizera. Conjurou fogo. Propagou a Justiça.

  Os olhos dos companheiros agradeceram. E só então tornaram a indagar a menina.

  – Você tem família? – Afonso olhou-a docemente. Tinha jeito para crianças.

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