Capítulo Quatro

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Leningovisk, Rússia, dezembro de 1967. Um dia, há vinte e um anos, Danlov Kraemer chegara àquela cidade. Chegara depois de caminhar por dias, nem ele soubera quantos e passara por atrocidades nos caminhos, as quais seriam difíceis de serem suportadas por um ser humano comum. Mas ele não se considerava comum e andando pelas ruas, pensava nas batalhas que enfrentara em seus trinta e quatro anos de vida.

A Rússia é o maior país em extensão territorial do mundo e Leningovisk fervilhava de gente em suas ruas, entre elas os descendentes dos Cossacks que desfilavam orgulhosos por seu importante papel no desenvolvimento da Rússia e da Ucrânia. Leningovisk estava prestes a entrar no rol das cidades russas com mais de um milhão de habitantes e a chuva que caia não parecia impedir o vai e vem das pessoas apressadas.

Os termômetros registravam -11,5 °C, apesar de ser quase meio dia. A cidade estava tomada por uma fumaça branca que ardia nos olhos e parecia querer quebrar os ossos, quando penetrava por baixo das roupas das pessoas que se atreviam a caminhar apressadamente pelo centro da cidade. O grande formigueiro humano sempre estaria ativo. Inverno ou verão, a vida continuava.

Os nervos de Lyuba Kaynok estavam à flor da pele. Mas não pareciam ser somente os dela. Se conseguisse prestar atenção em algo além dos seus pensamentos, teria visto uma figura vestida com uma capa de chuva, que caminhava atrás dela desde que saíra da clínica obstétrica. O guarda chuva preto e o capuz da capa, juntamente com a chuva, não permitiam a identificação do transeunte. Apenas alguém alto, sem rosto, um ser a mais a caminhar na neblina. Porém, se alguém pudesse ver o seu rosto, veria também a expressão de profunda amargura que se expressava em seus olhos. Os passos rápidos pareciam denotar perseguição.

Para Lyuba, a vida estava trazendo grandes surpresas naquele ano. Ela era governanta e morava no Sul da cidade, em uma casa no fundo do quintal de seus patrões. Tornara-se muito difícil vir fazer as consultas de pré-natal. Estava muito cansada e seus pés doíam. Pelo menos quando chegasse ao final do oitavo mês ficaria internada. Estava muito próximo.

Na verdade, aquela criança não fora planejada. Lyuba tinha trinta e seis anos, o marido estava desempregado e a família sobrevivendo de algum serviço esporádico que aparecia. Os outros filhos já não tinham nenhum conforto e mais um para chegar... Os cuidados que deveriam ser tomados... Com os outros filhos adolescentes, Lyuba nem lembrava como cuidar de um recém-nascido.

Teria que chegar a parada de ônibus em um dos terminais mais movimentados da cidade, por onde circulavam diariamente milhares pessoas de diversos lugares. Sujo, barulhento e tumultuado, nas suas dependências costumava sempre haver muitos mendigos e vendedores ambulantes.

Para a Zona Sul, onde ela morava, havia somente duas linhas diárias. Desejava chegar em casa antes do anoitecer. Não sabia como estava o tráfego. Tinha medo de chegar sozinha. Deveria passar em frente a uma floresta densa e depois das dezessete horas ninguém se atrevia a sair à rua.

Os terminais de ônibus de e trens estavam cheios de policiais. Havia relatos que um assassino estava recrutando vítimas em diversas partes da cidade. Mais um, dentre os muitos assassinos em série que povoavam a história, parecia estar agindo em locais próximos a estações de trens ou terminais de ônibus.

O ônibus chegou e Lyuba, apinhada junto a uma multidão de pessoas que não parecia conhecer a prioridade conquistada por gestantes, conseguiu a custo subir. O vulto misterioso de capa preta também entrou no ônibus, passando despercebido entre os passageiros que se espremiam buscando espaço para colocar pelo menos os pés em um local onde pudessem encontrar um pouco de apoio para não cair.

A cada nova parada, mais pessoas subiam. Lyuba não entendia como elas conseguiam se acomodar. Ela havia conseguido que uma jovem cedesse um lugar para sentar-se. A chuva ficara para trás. Dentro do ônibus, a mistura do cheiro de perfumes diversos, com o de roupas molhadas e suor forte dos diaristas fazia com que seu estômago vazio se embrulhasse. E ela pediu a Deus que não a deixasse vomitar ali.


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