Capítulo Seis

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Afinal, Danlov parecia estar em paz. Lembrava-se sempre que não sabia ao certo se viajara por dias, por semanas enfim. Apenas que com fome, comera insetos e pequenos roedores, sendo que os últimos, quase intragáveis ao misturar em sua boca o gosto doce do sangue com o amargo e fétido das fezes.

Durante o dia, ele até tentava esquecer. Poderia dizer que hoje era um ser humano normal. Tinha um trabalho, não o mais importante, pois não conseguira estudar, mas vivia confortavelmente sendo seu próprio patrão. Chegara na cidade e depois de vagar pelas ruas, começara a fazer pequenos trabalhos para um açougueiro, que era solteiro e não tinha parentes.

Após sua morte depois de uma crise respiratória, Danlov, que era tratado como um filho único, herdara o patrimônio do açougueiro. Pôde então, casar com Ivana, linda professora que lecionava numa escola particular para crianças que funcionava próxima ao açougue.

Em 1º janeiro de 1967, a polícia foi chamada para um bairro da zona sul de Leningovisk. Alguns mendigos que por vezes iam pernoitar num velho casarão para se proteger da chuva, sentiram um cheiro insuportável de carne podre e então um deles ligou para a delegacia.

A cena chocou aos policiais. Em um quarto incrivelmente bem cuidado, fechado por uma porta que tivera a fechadura trocada recentemente, encontraram o que estava causando o mau cheiro. Em uma cama estava o corpo de uma mulher, que tivera o abdômen cuidadosamente cortado. O estado de decomposição não deixava ver se havia sinais de violência sexual.

Em um berço ao lado, o corpo de uma criança, que estava com o cordão umbilical cortado. A cicatrização do mesmo afirmaria algo assustador. Os corpos foram levados para a perícia criminal. A mulher tratava-se de Lyuba Kaynok, que saíra de casa há cerca de quinze dias e que estava entrando para o oitavo mês de gestação. A família tentara em vão encontra-la, mas os poucos recursos financeiros da mesma fizeram com que o fato ficasse no anonimato.

Ela morrera por estrangulamento e a barriga fora aberta após a sua morte. O corte preciso indicava perícia no manejo de um instrumento cortante, que não sabiam dizer qual era. Quanto à criança do século masculino, no coto umbilical havia sinais de cicatrização, o que levou a policia a deduzir que ela morrera de fome, pelo menos dois dias depois da mãe.

No centro da cidade, Danlov fechou seu estabelecimento e saiu vagando pelas ruas. Casado há um mês com Ivana, não conseguiria realizar o maior desejo da esposa. Ela queria um filho... Apesar de ter uma mulher linda e meiga, o cansaço fazia com que todas as noites Danlov chegasse e tentasse dormir, o que não conseguia. O fantasma da fome na infância o perseguia, os gritos...

Ah, os eternos gritos que o perseguiam nos sonhos agora faziam com que sentisse medo de dormir. O pensamento voltava para vinte e um anos antes, em uma viagem que gostaria de apagar da mente.

Lembrou-se que sozinho na estrada vira um grupo de homens sujos que caminhava atrás dele. Pensara que ali seria a hora final. Não se importava muito de estar vivo. Nunca tivera um dia de alegria. Porém quando os homens chegaram perto dele, descobriu que durante os próximos dias desejaria a morte a cada segundo.

Dois homens barbudos, com cabelos sujos e dentes cariados o agarraram e ele em vão esperneoou... Suas roupas foram rasgadas e então seu corpo frágil foi exposto as maiores perversões sexuais que aqueles homens puderam imaginar.

Lembranças vagas da infância de quando acordava suavemente preenchido por um dos dedos da avó foram abruptamente trocadas pelas de homens sujos que rasgaram suas entranhas.

O sangue escorreu pelas pernas aumentando assustadoramente quando, quase desmaiado, sentiu depois de uma dor ainda mais lancinante, seus testículos serem cortados e banhados com uma mistura de aguardente e cinzas da fogueira que queimou sua pele.

Não. Deus não ouvira seus pedidos de morte e, por nem ele sabe quantos dias, sofreu abusos sexuais pela corja de vagabundos que um dia chegou em Leningovisk e o deixou vagando pelas ruas, sob ameaça de que se contasse o que se passara com ele, teria sua língua arrancada.

Nunca poderia dar um filho a Ivana, nem proporcionar um prazer que nem ele conhecia. Ela era impotente e não sabia por quanto tempo poderia esconder isso da esposa.

Então ele teve a nítida sensação de que ela sabia o que ele estava pensando. Que ela fingia estar dormindo, mas estava dentro de sua mente, conhecendo os segredos que por uma vida toda permearam seus pesadelos.

Seu pensamento parecia estar sendo controlado por uma força invisível, que fazia com que sua cabeça doesse e as veias temporais dessem a impressão que estourariam e despejariam pela boca, narinas e olhos, os insetos que comera para sobreviver e que agora ganhavam vida, revirando o seu estômago.

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