Capítulo Sete

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O nascer do sol pôs de pé um homem cansado que teria que trabalhar. O trabalho tornara-se a válvula de escape para os pensamentos sombrios, mas ele decidira procurar um médico.

Nessa mesma manhã, a polícia foi chamada para um local a nordeste do centro de Leningovsk, onde o corpo de uma mulher fora  descoberto nu, virado para cima em uma avenida de uma área residencial de classe média. O homem que encontrara o corpo o cobriu com uma lona para evitar que as crianças do bairro o visse em seu caminho para a escola.

Marcas que provavelmente seriam de uma corda de seda estavam em seu pescoço, pulsos e tornozelos, indicando à polícia que ela estava amarrada e estrangulada, e que o corpo tinha sido despejado, indício que ela fora morta em outro lugar.

O relatório de um médico legista detalhou ainda que ela havia sido sodomizada com um objeto cortante, ainda viva, pois havia muito sangue na região anal. A língua fora arrancada. O corpo foi identificado como sendo de Klavdiya Kasinck, como vinte e quatro anos de idade, viciada em bebidas e prostituta.

Nessa mesma manhã Danlov pensou em recorrer a um psiquiatra. Conhecia e doutor Ivan Ryabenko. Com o passado de criança miserável escondido, Danlov tinha boas relações com a elite da cidade, entre eles diversos profissionais da área da saúde.

Por muito tempo pensara nessa possibilidade, porém receios e preconceitos o impediam. Afinal, sempre relacionara que aquele profissional cuidava de louco.

Então, sabia que desde o final do século dezenove, o austríaco Sigmund Freud se transformara num dos pensadores mais polêmicos da história, porém fazendo uso de uma ciência desacreditada, a psicanálise, método concebido por ele para o tratamento dos problemas psíquicos.

E através desta a compreensão da mente humana chegara a ser considerada a última palavra da ciência sobre a questão. Na verdade, ele não acreditava que conversar poderia minimizar os seus sofrimentos, mas enfim, procuraria o tal psiquiatra.

Do açougue para a clínica eram apenas dois quarteirões e ele caminharia... Porém sentiu-se tonto... A nítida impressão de que alguém o olhava escondido...

A certeza que estava sendo vigiado de alguma forma. Sinais de coisas que estavam acontecendo à sua volta o levaram a conclusão de que o universo conspirava para que ele não pudesse seguir o caminho...

O psiquiatra tinha um segredo para contar sobre ele! Mas ninguém poderia saber, nem ele próprio! Devia ser isso! Talvez algo sobre sua vida se estampasse no seu rosto, algo sobre a viagem até Leningovisk, que ele nunca poderia saber que ele esquecera os traumas de infância, que poderiam ser arrancados dos labirintos de sua cabeça... Ele deveria ir, mas não poderia!

Uma emboscada estava sendo armada para ele... Ele sabia! As placas de nomes de ruas se misturavam num redemoinho de coisas, que giravam e giravam, cada vez mais vertiginosamente e antes de tudo escurecer, sentiu os esfíncteres se afrouxarem e o odor de urina, tão característico na infância, foi sentido antes de desmaiar.

Pareceu dormir por muitas horas, dessa vez, tranquilamente, sem gritos, sem fogo... Acordou em um quarto branco, com um pijama impecavelmente limpo.

Seu braço doía por causa das medicações injetáveis, mas ele se sentia profundamente descansado. Aproveitaria o repouso para conversar com o psiquiatra. Talvez fosse o caso de se medicar, poderia então, dormir como dormira naquele dia.

A tarde voltou para casa e trabalhou normalmente no açougue. Pensou em sair com Ivana, mas o trabalho na escola a deixava ocupada durante o dia todo e ele trabalhava. À noite ambos estavam muito cansados... Pareciam formar um jovem casal que sempre estava ocupado em algo que os afastasse do convívio social. Pelo menos iria esperar sua esposa sair do colégio. Acostumara-se tão sozinho por tantos anos, que não estava conseguindo conviver em sociedade. Mas isso mudaria, a partir de quando começasse a frequentar o consultório de doutor Ivan Ryabenko.

E então, em 16 de janeiro de 1968, o corpo nu de uma criança do sexo masculino foi descoberto por trabalhadores num terreno baldio dos arredores de Leningovisk. Como Klavdiya Kasinck, ele tinha marcas de corda no pescoço, punhos e tornozelos. Havia sido estrangulado e sodomizado, também com um objeto cortante. A língua e os órgãos sexuais haviam sido arrancados.

Essa criança foi identificada como Sergei Kolenik, de apenas nove anos, ele tinha problemas mentais. Ele morava na periferia e sempre rondava a escola onde Ivana lecionava.

O que se tornava ainda mais estranho era o elo que poderia estar se estabelecendo entre as mortes ocorridas ultimamente. No final do ano que passara, ele encontrara os corpos de Katiuscia Anka e de sua filha Sonja embaixo de uma pilha de lixo.

No início da investigação, nos primeiros dias de dezembro de 1967, haviam recebido denúncia de que um homem alto e louro se aproximara de Kathrine Krevoka, de onze anos e que era filha de um importante político de Leningovisk, provavelmente com a intenção de raptá-la e matá-la. No entanto, seu pai saiu da loja onde havia ido comprar presentes e o homem se afastou sem que houvesse incidentes. Kathrine não conseguira ver o rosto daquele homem, pois ele estava com a cabeça envolvida por uma capa de chuva.

Em 25 de dezembro do mesmo ano, Katiuscia Anka de trinta e dois anos, e sua filha Sonja Anka, de quatro anos, embarcaram em um ônibus escolar e seguiram para casa.Da parada do ônibus à casa onde morava era cerca de um quilômetro e a última vez que foram vistas foi descer deste ônibus e aproximar-se de um Lada 2101 preto que teria apenas um homem dentro. Esse foi um importante detalhe para a Polícia. Então, um perfil começava a ser traçado.

Um homem sozinho, com muita força e poder de persuasão ou então muito conhecido na cidade, estava escolhendo suas vítimas, com um curto espaço de tempo entre uma e outra. Deveria ter uma condição financeira razoável, visto que em 20 de julho de 1966, ficara pronto o primeiro Lada, feito para ser um carro popular na Rússia. Então o assassino andava em um caro novo.

Os dois cadáveres foram encontrados por um menino de nove anos de idade, que era deficiente mental, vagava pelas ruas e tinha ido procurar tesouros em uma pilha de lixo de um terreno baldio da periferia norte de Leningovisk. Ambos os corpos já haviam começado a se decompor, mas ainda estava determinado que tinham sido estranguladas, sodomizadas e estavam sem línguas.


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