Capítulo Cinco

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Eram cerca de dezessete horas e vinte minutos quando, na mesma parada, Lyuba e o viajante misterioso desceram. Ela estava com medo. Tudo estava deserto e ela sentiu-se perdida. Com fome e náuseas, sentiu a cabeça rodar e cambaleou, se desequilibrando. Foi amparada por braços fortes. O inverno fazia anoitecer mais cedo e tonta, nas primeiras luzes dos postes que àquela hora brigavam para se sobrepor aos últimos raios do Sol, ela não conseguiu ver o rosto de quem lhe ajudou.

Após agradecer, ao que teve como resposta um gesto afirmativo de cabeça, ela viu apenas um vulto negro, de capa de chuva, se afastando pela rua. O cair da noite encobrira que ele se afastara com frases sem nexo, ditas para alguém que somente ele deveria estar vendo.

Ao ser ajudada por aquele estranho, Lyuba sentira um arrepio gelado, muito mais gelado que a chuva que caia. Caminhou o mais rápido que pôde. Ainda havia o desafio de passar pelo casarão. Apesar de parecer em ruínas, ele se erguia ainda imponente, em contraste gritante com a paisagem urbana.

Anoitecera completamente e um pássaro noturno passou rasgando o silêncio com seu grito estridente. Novamente arrepios tomaram conta do corpo de Lyuba, mas os pés cansados não permitiam que ela andasse mais rápido... E então ouviu passos atrás dela... Sentiu todos os seus músculos enrijecerem...

– O casarão! – pensou como a única alternativa. Ouvira relatos que mendigos costumavam pernoitar por ali. Talvez alguém a socorresse.

E ela entrou... Apenas seus passos se faziam ouvir no piso de madeira carcomido pelo tempo... Subitamente, atrás dela, passos apressados. Um vulto escuro que podia caminhar rapidamente e chegar cada vez mais perto...

– Por Deus, deve haver onde me esconder, mas não conheço nada aqui! – e viu um emaranhado de corredores. Entrou nele e aliviada percebeu que os passos haviam cessado. Enfim, tinha escapado! Experimentou uma sensação de relaxamento e junto com ela, uma contração, seguida de outra...

– Ainda não é hora! – pensou enquanto chegavam mais e mais dores, cada uma em um espaço de tempo menor. Desanimada, apoiou-se na parede, resvalando o corpo até o chão empoeirado. O vestido empapado de líquido amniótico manchou-se de sangue...

No fim do corredor, passos de um vulto escuro que caminhava ao seu encontro. A luz da lanterna ofuscava a visão de Lyuba e refletia-se no aço de uma faca enorme.

–Eu observei você durante todos esses meses. Algo me dizia que ele ia nascer hoje... Eu estou tão feliz... – A voz masculina cortou o silêncio, antes quebrado apenas pelos batimentos descontrolados do coração da pobre mulher.

Desesperada, ela arrastou-se pelo chão. Mas já não se fazia necessário a pressa. Sentindo-se puxada pelo braço, Lyuba foi obrigada a se levantar. Hipnotizada, sem forças, foi levada até um dos quartos. Após a luz de um lampião a gás ser acesa, ela viu um quarto limpo e decorado com enfeites infantis, formando contraste com a sujeira do casarão. Um berço vazio estava em um local próximo a uma cama. Tudo impecavelmente limpo e branco.

O vulto se revelou. Um jovem alto, louro e de grandes olhos azuis acinzentados, que sorriu e se aproximou. Não havia ódio em seus olhos.

– Calma! As suas dores vão passar – disse suavemente, afastando os cabelos de Lyuba com uma das mãos. Ela não conseguia esboçar nenhum esforço. Com a outra mão então, ele passou uma corda de seda em seu pescoço...

Olhava em seus olhos, que pouco a pouco foram deixando de ver o rosto sorridente, talvez até amável, se ele não a estivesse estrangulando. As dores sumiram, junto com a vida que escapava dos olhos de Lyuba.

Com cuidado, seu corpo foi levado até a cama. A faca brilhava na mão do homem misterioso que com maestria passou a executar um procedimento cirúrgico.

Viva, porém prematura, a criança do sexo masculino foi retirada do ventre de Lyuba e colocada no berço ao lado de seu corpo. Como se tivesse a ciência do dever cumprido, o homem pegou novamente a capa e o guarda chuva. Cuidadosamente, trancou a porta do quarto e saiu, afastando-se do casarão. O uivo de um cão quebrou o silêncio, enquanto passos se afastavam apressadamente, perdendo-se na noite.


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