Capitulo Sete

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Ficamos em silencio por tempo suficiente para me deixar desconfortável.

_ Ahn... Podemos ir agora? – eu disse, talvez um pouco sem jeito.

_ É claro – ele respondeu abrindo espaço para eu sair.

Pendurei a minha mochila nas costas e passei na frente dele.

_ Agora pode me dizer aonde vamos?

_ Nós só vamos à praia – respondeu ele.

_ Por quê?

_ Isso eu já respondi.

_ Pra conversar? Não dava pra ser pelo telefone?

_ É tão ruim ficar perto de mim?

Revirei os olhos.

_ Está com fome? – perguntou ele.


Fomos a uma barraquinha de cachorro-quente ao lado da praia.

_ Refrigerante? – Philip me perguntou enquanto me entregava um cachorro-quente.

_ Não, obrigada – eu queria, mas esqueci de trazer dinheiro e não queria me aproveitar.

Philip se virou para o vendedor.

_ Duas cocas, por favor.

_ Philip!

_ O que? Eu sei que você quer.

Eu estava começando a achar que ele podia ler mentes. Era a única explicação.

Continuamos a andar pela areia, perto da água.

_ Então – ele disse – Conte-me alguma coisa sobre você.

Fiquei um tempo pensando.

_ Eu... Tenho 18 anos.

Ele riu.

_ Isso é o que você tem de mais interessante?

_ Não, eu... Gosto de desenhar.

_ Isso é interessante. O que mais?

_ Huumm... – pensei um pouco – Escutar música, ler...

_ Vamos lá Eva – ele me interrompeu – Me diga alguma coisa incomum sobre você.

_ Que tipo de coisa incomum? Eu não tenho nada de incomum.

_ Ah não? A cor do seu cabelo não é algo que se vê todo dia.

Toquei meu cabelo e puxei a trança para frente.

_ É, bem... Puxei da minha mãe. O cabelo dela era lindo... – lembranças dela começaram a passar pela minha mente – Os olhos dela eram azuis, era alta, ela era meu maior exemplo e... – minha visão começou a ficar turva pelas lágrimas e parei de falar.

_ Sente falta dela? – perguntou Philip.

Não! Estou chorando de alegria mesmo!

_ Sim – então eu percebi. Olhei para Philip com a testa franzida – Como que você sabe que minha mãe... Que ela... – eu ainda não sabia se dizia que minha mãe foi embora ou se ela... Nos abandonou.

Philip abriu um sorriso.

_ Posso te mostrar uma coisa? – ele perguntou.

_ Ahn...

_ Tire seus tênis.

_ O que?

_ Você não quer eles se molhem, quer?

_ Mas...

Ele tirou os chinelos dele.

_ Vamos Eva. Não seja tímida.

Hesitei, mas tirei meus tênis e os coloquei na areia ao lado da minha mochila junto com meu lanche.

Philip segurou minha mão e me puxou para perto da água.

_ Agora – disse ele – feche os olhos.

_ Philip...

_ Fecha logo.

Fechei os olhos, Philip limpou a garganta e começou.

_ Em Portugal, onde outrora fora governada por...

Não consegui segurar minha risada.

_ Desculpa – eu disse e forcei minha boca a ficar fechada.

Philip bufou, depois continuou.

_ Em Portugal, onde outrora fora governada por Reis e Rainhas, havia um Conde. Casou-se com uma bela mulher que logo engravidou.

"A Condessa estava no fim da sua gestação quando seu marido decidiu seguir viagem para Londres para tratar de negócios. Seguro de que não havia perigo, decidiu levar sua mulher. Após dois dias em alto mar, a bolsa da Condessa foi rompida, e seu bebê nasceu sobre as aguas do Oceano Atlântico.

Passaram-se anos e o Conde criou seu filho para que este se tornasse o próximo Conde de Portugal. Porém o garoto, que acreditava ser Português, sentia algo forte pelo oceano. Ao se tornar homem, passou a se aventurar no mar e rejeitou o título que foi criado a vida toda á tomar. Ele se tornou capitão e fez do mar o seu lar, onde ele finalmente se sentia em casa."

Percebi que a história tinha chegado ao fim e abri os olhos, então notei que a água já batia abaixo dos nossos joelhos.

_ Posso te contar uma verdade universal, Eva? – Philip perguntou, e assenti com uma pitada de curiosidade – Toda criatura, por mais insignificante que seja, tem uma conexão com o lugar onde nasceu – ele fez uma pausa – A que lugar você se sente conectada?

Meu olhar se perdeu no horizonte enquanto vasculhava minha mente em busca de uma resposta coerente.

A que lugar eu me sentia conectada? Eu nunca parei para pensar sobre isso, mas se tinha um lugar que eu não me sentia conectada, era essa cidade. Eu tinha, sim, muitas lembranças aqui. Boas e ruins. E eu, como qualquer outro adolescente, sempre tive o sonho de viajar ao redor do mundo e conhecer realidades diferentes da minha. Índia, África, França, Itália, Escócia... Tantos países, tantas culturas... Ainda sim, não me identificava com nenhum. Ás vezes eu imagino, se não sou de outro mundo... Se existe um mundo, que é o meu mundo. Se nesse mundo, minha vida ainda é normal.

_ Não sei... – finalmente respondo.

Philip sorri para mim, demonstrando que sente a mesma coisa que eu. Talvez nós dois estivéssemos no planeta errado. 

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