C A P Í T U L O 9

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Sentei-me na minha varanda, alternando entre uma garrafa de vinho com limão e outra de vinho com morango Hard Boone's, observando a respiração da noite. Estava muito tranquila. A brisa noturna se fora e nada atrapalhava as folhas escuras nos ramos dos álamos. Nenhuma folha de grama se mexia no gramado abaixo.

Tomei um gole grande de cada uma das garrafas. Sem beber muito mas ficando bêbada. Fazendo meu corpo se sentir tão mal quanto minha mente. Queria ter um pouco de cerveja para acompanhar o vinho. Ficaria enjoada mais rápido.

Eu tinha realizado muita coisa. Era difícil me sentar aqui e não sentir orgulho de mim mesma. Não consegui encontrar o assassino de Greg. Ele mataria novamente, mataria mulheres e metamorfos e eu nem sabia onde procurá-lo. Eu acabara com qualquer credibilidade que tinha com a Matilha. E com a Ordem, aliás. Eu tinha um caso com um cara legal. Não era perfeito, mas ele gostava de mim . Ele se esforçara bastante. Um cara normal, decente. E eu destruíra completamente o nosso relacionamento. Ele não era parte do meu mundo, então eu o trouxe para ele. Do meu jeito.

Virei uma das garrafas na boca, engolindo o líquido sem saboreá-lo até quase me engasgar, e fiz um brinde às árvores distantes.

— Bom trabalho.

As árvores não disseram nada. Balancei a cabeça e peguei a outra garrafa.

E vi um monstro no meu jardim .

Ele estava sentado de cócoras, cheirando o vento. Era um filho da mãe grande, de pelo menos setenta quilos. O pelo longo acinzentado crescia em manchas sobre a carcaça magra. A pele nua, pálida e enrugada aparecia entre os pedaços irregulares de pelo, especialmente sobre o estômago, onde longas cicatrizes atravessavam a carne. Uma pequena corcunda se projetava das costas da besta e o pelo que a cobria era mais longo e grosso, formando uma juba emaranhada que crescia atrás da grande cabeça coroada com orelhas humanas redondas.

As pernas traseiras da coisa eram pesadas e musculosas e parecidas com as de um canino, mas com dedos maiores. Suas patas dianteiras, menores e de forma perturbadoramente humana, seguravam algo escuro. Apertei os olhos para distinguir a massa felpuda e úmida. Um esquilo. A criatura cheirou seu prêmio com o focinho comprido e enrugado, abriu as enormes mandíbulas e despedaçou o esquilo. Um barulho repugnante de ossos quebrados perturbou o silêncio da noite.

Ele mastigou com gosto, apertando a massa ensanguentada nas mãos, e olhou para mim . Os pequenos olhos injetados de sangue que brilhavam no rosto da besta eram inegavelmente humanos. Quando você olhava nos olhos de um metamorfo, via uma fera lutando para sair. Quando olhei nos olhos desta coisa, eles ardiam com entendimento e uma inteligência turva mas significativa, revelando tristeza e capacidade de sofrimento.

A coisa ergueu a boca horrível para o céu e fez um estranho ruído insistente, como se uma dúzia de vozes murmurasse a mesma frase em uma dúzia de idiomas de uma só vez. Em seguida, virou-se para o esquilo e arrancou outro pedaço.

Um ruído baixo de garras alcançou meus ouvidos. Olhei ao redor. Formas grotescas se escondiam em cantos escuros, algumas pequenas, outras grandes. Elas se empoleiraram nas cercas, se esgueiraram para baixo, em torno das escadas da varanda, e correram para debaixo da caminhonete na garagem, movimentando-se ao meu redor.

A borda da garrafa tocou meus lábios e eu bebi enquanto as bestas se aproximavam .

— Pobre Crest — murmurou uma voz de veludo. — Estou vivo há trezentos anos e não consigo me lembrar da última vez que ri tanto.

Depositei a garrafa no chão lentamente e olhei na direção da voz.

— É você — disse. — Merda. Eu nunca imaginei.

Sangue Mágico - Kate Daniels Vol 01.Onde histórias criam vida. Descubra agora