Capítulo III

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     As imagens estavam meio turvas, deixando sua visão tão confusa quanto sua cabeça. Ric afastou o cabelo e esfregou os olhos, enquanto sua mente lhe mostrava um flashback duplo, dos acontecimentos daquela manhã.

     Diferente de qualquer coisa parecida, que já havia feito, em relação a uma mulher, ele se viu por duas vezes seguidas, em uma perseguição. Correndo feito um louco, ganhando tapas como brindes e se esquecendo de seus reais afazeres. Tudo para conseguir alcançar uma garota. "Uma mesma garota!" Lembrou irritado.

     Esta que fugia dele, como se fugisse do próprio diabo, que o intrigava mais que tudo, instigando sua vontade de poder entender aquele medo sem razão. Contudo duvidava que pudesse fazê-lo algum dia. Ela já não estava mais lá. O deixara sozinho, dormindo nas raízes da grande mangueira, a beira da estrada deserta, que agora Ric encarava, tentando lembrar, mais uma vez, o que devia mesmo fazer agora.

     Um pequeno filhote de passarinho, caído sem vida, não muito longe dali, costurou nele, o fio que estava solto em sua memória. Em um instante se pôs de pé, atordoado ao se dar conta somente naquele momento, que estava mais do que atrasado para o velório de sua tia. Sua mãe ficaria furiosa. Ela detestava atrasos e com certeza não perdoaria este erro. Ela e Ric seriam os únicos parentes presentes neste dia, pois sua família inteira residia em Portugal e não poderiam comparecer a tempo para a cerimônia. Pensando nisso, alargou seus passos. Tinha de chegar o quanto antes para acompanhar sua mãe.

     Começou a fazer seu caminho de volta ao lugar de onde tinha saído mais cedo. Porém não poderia, além de chegar atrasado, não levar nada consigo. Desviou sua rota e voltou até a barraca da Joana.

     Ela já estava guardando os últimos buquês, quando ele apareceu.

     - Olá de novo! - A cumprimentou um pouco ofegante pela pressa.

     Ela sorriu ao revê-lo.

     - Sim? posso ajudá-lo?

     Dois buquês restantes, haviam sobrado na mesa. Um deles era composto pelas belas flores vermelhas que lhe mostrara e o outro... Bem, Ric estava sem tempo para prestar atenção.

     - Vou levar estas flores de soslaio. - Ele pôs um punhado de moedas em cima da mesa e puxou o buquê para si, apressado, já se despedindo.

     Joana gritou-lhe algo sobre o mês de maio, mas Ric naquele instante, não se importava com a época do ano. Caminhou novamente pelos lugares que passara antes, concluindo que talvez a ideia para explorar, não tivesse sido muito boa. Havia sido advertido por sua mãe, de não sair, porém como de costume, Ric não a escutara e por isso, mais uma vez, pagava o preço da desobediência. Pelo menos era isso o que ela dizia quando suas atitudes lhes causavam problemas.

🕜🕑🕝

     Ric estava em frente ao enorme portão de madeira, na entrada da propriedade de sua tia. Apesar de ainda não conhecer o local, sabia que era de uma grande magnitude.

     O extenso cercado, também de madeira, ia até onde seus olhos não podiam mais alcançar e o majestoso casarão a alguns metros dali, impondo sua presença, eram o anúncio de que esta era uma vasta fazenda. Ric se perguntava o que aconteceria com tudo isto, agora que já não tinha mais um proprietário. A irmã de sua mãe nunca tivera nenhum filho e seu marido falecera a muitos anos. Ela havia se tornado a única herdeira e senhora de tudo, desde então. Talvez por esta razão, recusara todas as vezes que seus irmãos a pediram para regressar de volta à Lisboa. Vivia, praticamente reclusa naquela fazenda, provavelmente em uma solidão constante, apenas à companhia de seus servos, nem mesmo a brisa parecia ter tanta vontade de penetrar as paredes da casa, condenando-a a ficar só, para proteger seus bens e riqueza.

A Emissária da MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora