Os Segredos da Imortalidade

Voz do além

— Pare. O que está fazendo? — perguntei, tentando não desmaiar de fraqueza.

Os espíritos me cercaram, à medida que ela pronunciava palavras estranhas. Eu tive a impressão de não existir mais vida em mim. Só me restou deixar que a energia tomasse forma e assumisse o controle de tudo.

— Nós éramos felizes, Jodie. Houve uma época em que você me amou. Até aparecer alguém e estragar nossa alegria. — disse Endlich, decepcionado — eu a procurei por anos e anos, vidas e vidas, mas em todas elas lá estava Nicolas Henke para tirar você dos meus braços.

— Eu não lembro. Não sei o que quer dizer — bradei.

— Realmente não lembra, porque eu a tirei daqui por duas vezes, mas você insistiu em voltar. Agora, vou usar um encantamento capaz de selar nossos destinos. O anel foi apenas o aperitivo que me trouxe você. Será magnânimo nós dois juntos pela eternidade, viajando com suas lembranças editadas a me amar.

— O que você quer? Quem é você?

— Sou sua família. Todo esse tempo, ninguém pode lhe entender. Sempre deixaram você sozinha. Nunca lhe contaram sobre as visões que enxerga, mas eu posso ajudar a detê-las.

— Minhas visões... o que sabe sobre minhas visões?

— Ele sabe o que elas representam. — Leticia sorriu. — Porém, agora que o ritual está pronto, não é preciso dizer. Jodie, o seu caminho ficará livre.

— Vamos fazer a cerimônia — Kerolyn respondeu.

Eu fui teleportada para o altar da igreja. Endlich cortou meus cabelos e os colocou na bandeja de sangue. E com meu próprio sangue, pintou seu rosto, fazendo, finalmente, o fogo das velas irromper.

— Aceite seu destino, assim como aceitei o meu. — Kerolyn deu a volta nas velas e terminou o serviço — Nós, humanos, somos ingratos, pois este é o tempo perfeito para a rebeldia. A rebeldia que vai mudar a forma de todas as criações viverem. Não perca tempo com sentimentos tão tolos.

De repente, eu não conseguia mais parar de me mexer. Parar de queimar por dentro. Eu sabia que aquela era a chance de esquecer a minha versão mais horrível; o lado soturno de uma garota conformista, de alguém que sempre foi indefesa e fraca. E quando descobri que essa é apenas uma casca, fui transcendendo novos lugares.

Não desista. Seja forte, Jodie. Seja o Sol que todos esperam.

Desistir sempre foi minha grande fraqueza. Eu havia desistido de fazer novos amigos, de mudar de cidade, de apoiar o meu pai em suas ações, mas quando aquela voz clamou, minha fé cresceu. Quanto tempo passei chorando. Quanto tempo olhei seus retratos na estante, sabendo que ela nunca mais voltaria.

— Mãe, é você quem está me observando daí de cima, não é? 

Não desista. Seja forte.

— Mãe, esse demônio é cruel. O que posso fazer?

Seja forte.

— Jodie, sua mãe morreu — Endlich sorriu. — Naquele dia, quando você era apenas uma criança, ela desfez os laços do próprio encantamento, sacrificando-se por você, para que você sobrevivesse e finalmente parasse de reencarnar. É uma pena que Alice nunca foi boa para mim também.

Foi ele, Jodie. Foi ele quem me matou.

— O carro, as nuvens perto da torre... — deixei a raiva me possuir. — Como pôde fazer isso comigo? Como pôde fazer isso com ela?

— Como pude? Como matar uma escolhida, quando você é apaixonado pela filha de uma? Eu fiz essa pergunta, até descobrir a resposta: um acidente discreto junto com a maior magia negra de todos os tempos. 

— Maldito! Maldito! — gritei. — Eu odeio você!

Um soco foi suficiente para Endlich ser arremessado na beira do abismo. Eu deixei os dedos em seu rosto, cortando seu queixo, rasgando seus olhos, enquanto sangue tenro desceu pelas minhas mãos. Não, eu não sabia de onde veio tanto poder, mas sabia que minha alma estava machucada. Endlich levantou e sorriu, dizendo ter gostado da minha performance de lutadora, mas que a imortalidade dele era algo inédito. 

— Jodie, quebre o anel! — Nick tentou se conectar comigo através dos quadros e a luz do anel em meu dedo. Juntos, os objetos formavam a passagem entre o mundo real e o mundo de ilusões.

— O que está fazendo? — perguntei. — Fuja! Você precisa fugir! Nós vamos... nós vamos morrer.

Ao ver a cena, Leticia sorriu para mim. Ela estava imóvel, segurando minha blusa. Pensei que fosse me atacar, mas depois a menina sacou uma grande claymore das costas, deu um giro e arrancou a cabeça de Endlich com um só golpe. Seus movimentos eram tão assustadores. Tão rápidos e precisos. Nunca mais haveria sortilégios. Nunca ninguém manejou uma espada daquela forma. E jamais manejaria.

— Quebre o anel — ela disse para mim. — Você deve quebrá-lo, Jodie, antes que o ritual esteja totalmente pronto.

O corpo de Endlich se curou. O sangue parou de fluir. A cabeça dele saiu do solo e ligou-se a pele do pescoço. Novamente, o demônio estava de pé, com as mãos cheias de ódio.

— Irmã, o que está fazendo? — Kerolyn lamentou. — O que foi isso?

Quando a morte cortaria nossos laços, todos sumiram, deixando apenas um borrão. Eu despertei na cama, de frente para estante, porque tudo não passou de grande um sonho.

— Jodie, acorde — disse papai. — O café está na mesa.

Olhei no espelho, levantei e troquei de roupa. A temperatura estava amena, mostrando que ainda era cedo, e que eu tinha muitas coisas a se fazer. Mas nada seria como antes, a não ser o fato de Rye permanecer misteriosa.

— Jodie, você está atrasada para o colégio.

— Desculpe, minha cabeça... que dia é hoje?

— Filha, você está bem?

Olhei por baixo da blusa e vi um pingente de cristal em meu pescoço. O cordão de Nicolas estava comigo. Dentro dele havia um pequeno papel que dizia; eu sempre amarei você.