O cometa

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Aquelas foram minhas reencarnações. Meus pensamentos se desmancharam, abri os olhos e voltei ao mundo real. Estávamos sentados em uma mesa cheia de cartas de tarô, vislumbrando o futuro. Até que uma ventania soprou pelas janelas, os copos caíram e um garoto de cabelos escorridos apareceu ali. Não tive dúvidas; ele era o mesmo da House's Gray, Landon Herick.

— Há quanto tempo, queridos irmãos?! — Landon fez um aceno com a cabeça. — Quem me chamou?

— Eu o chamei — disse Nicolas.

— Claro, o pretensioso namorado da menina que sempre morre.

— Isso não é jeito de falar. Jodie não teve culpa — Dericka o repreendeu. — Mesmo após todos esses anos, você continua o mesmo exibido, não é? Além do mais, alguém vai ter que limpar a bagunça da minha casa.

De repente, tudo ficou escuro. As centenas de lâmpadas nas proximidades deixaram de iluminar São Paulo. O Sol cessou seu brilho. As estrelas pareciam perdidas. O dia virou noite, em apenas um segundo, um único e breve segundo.

— O Triângulo Halac... — Leticia sorriu. — Eu posso sentir a energia telúrica atuando nas três cidades como nunca esteve, do mesmo jeito que o livro nos mostrou. Significa, então, que o colapso vai acontecer. Essa foi mesmo a melhor hora para nos reunirmos.

No alto do céu, um imenso clarão desceu. Ele foi se aproximando, perto de se tornar uma linda estrela candente, mas seu tamanho aumentou, destacando-se no oceano negro. As pessoas se desesperaram ao ver aquela cena. Nas ruas, sussurros de medo. O trânsito da cidade tiniu. Carros e mais carros se empilharam. A temperatura caiu para quase zero. Mas ainda não era o fim do mundo, apenas o sinal dele.

— Eu irei detê-lo! — disse Landon, corajosamente, enquanto o corpo celeste deixava um rastro de fogo para trás. — É um asteroide! O asteroide de Hazej!

O garoto criou um campo gravitacional dez vezes mais forte do que a gravidade da Terra. Tão forte que precisávamos nos segurar para não irmos aos ares. Era o seu poder, telecinese, a arte do movimento da vida. Porém, a vitória era impossível.

— Pare! — gritei — Você deve parar, porque eu tive uma visão!

O asteroide ficou assustador a cada metro alcançado, fazendo uma imensa e quase infinita faixa de luz sobre o céu. Nesse instante, o cordão em meu pescoço brilhou sobre nós, e sobre a cidade inteira.

— Uma visão? — Landon suspirou. — O que você viu, garota?

— Vi essa coisa caindo e abalando o mundo. Eu vi a grande rocha atravessando o seu campo gravitacional. Não há lugar seguro. Não há ninguém, além de mim, que pode detê-lo. Quando o asteroide se chocar com a superfície da Terra, será questão de tempo para que a vida tenha um ponto final. Não sobrará alma viva para contar história neste país — descrevi a cena.

O solo começou a se despedaçar, as portas das casas foram fechadas por aqueles que tentavam buscar sobrevivência na sorte. Nicolas pediu consentimento do grupo, dizendo que eu conseguiria, por nós, e por Alice Marie.

— Jodie, se a sua visão estiver errada, nós morreremos aqui — advertiu Leticia.

As pessoas vigiavam pelas frestas de suas casas aquele evento marcante. Na esperança de deixar para trás a minha versão antiga, fechei os olhos e rezei. A energia cresceu, atingiu o pico da cabeça e contornou meu duplo etérico. O cordão chicoteou e fez um escudo maior que o de antes, subindo até os pontos mais altos do céu.

— É um cometa! — alguém gritou, enquanto corria pela rua deserta. — Um grande cometa!

Tudo que víamos não era um simples meteorito, nem mesmo um asteroide. Era uma bola gigante de gases misturado com rochas, trazendo uma imensa cauda de fogo com centenas de quilômetros. Tão grande que cobriu o céu inteiro, e a luz não se comparava a do Sol, mas incandescia São Paulo de uma forma impressionante para quem via.

O cometa viajava, causando tremores. Cinco quilômetros, ou dez, não sei exatamente o quanto estava perto. Suas crateras se incendiaram e encobriram as nuvens de fuligem. Eu ergui as mãos e apontei para cima. Ele foi reduzindo até ficar suspenso no ar, a menos de dois mil pés, flutuando como se não existisse mais tempo. Depois, o cometa explodiu e o asfalto se lançou em todas as direções, junto com uma imensa chuva de luzes, que se transformou numa terrível chuva de pedras.

— Ah, coitadinhos! — uma voz rouca emergiu no escuro. Sob o rosto escondido debaixo de um capuz azul, uma menina de cabelos loiros se revelou, junto de um demônio assustador, de cabelos beges e uma armadura de bronze, revestidas por asas negras. Ele tinha uma espada nas costas e ela um sorriso perverso.

— Kerolyn? — Leticia se surpreendeu ao vê-la.

— Irmã, você pode me ver? Estou morta, mas sinto como se estivesse viva — Kerolyn sorriu. — Eu não queria mais viver, por isso, desisti daquilo. Eu sempre a amarei, porque esse é o meu fardo, mas sua traição está doendo. Você disse que Hazej só deseja o meu corpo, mas é normal, quando nem mamãe conseguiu me amar.

— O que você quer? — perguntou Nicolas.

— Meu nome é Miguel — disse o ser desconhecido. — Kerolyn veio trazer o acordo do Anjo da Morte. O cometa foi apenas um sinal. Nós vamos destruir a Cidade da Luz e o trono de Liam. A partir de hoje, a escuridão reinará. Se vocês desistirem, guardaremos cinco cadeiras em nosso mundo.

Não havia aura, nem pensamentos. Um dia, antes de seguir Hazej, Miguel foi o patrono da Cidade da Luz e dos jardins divinos, pois nasceu querubim.

— Você odeia os humanos? — perguntei a ele.

— Sim, eu odeio. Os humanos não entendem uns aos outros. Querem paz, mas não amam. Eles devem conhecer a verdade, que o amor precisa do ódio.

— Então, diga a Hazej que não aceitamos sua oferta — eu disse.

— Nesse caso, vocês não me deixam outra escolha — Miguel desembainhou uma espada —, senão matá-los!

Os Segredos da ImortalidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora