Aquela noite não estava em nada diferente das outras. Eu fazia meus exercícios que se alternavam entre corrida e caminhada nas ruas do condomínio em que morava, que não eram muito movimentadas durante a noite. Digo-lhe, leitor, mais uma vez: nada estava fora do normal naquela noite.
Mas estava frio. Havia uma névoa no ar. Aquilo era diferente.Acontece que atrás do lugar em que eu morava havia uma área de floresta muito extensa, reservada e protegida pelo governo. Pelo o que se sabia, ali não habitavam animais selvagens.
Frequentemente os vigias da faziam rondas na parte de trás do local, iluminando com lanternas a área de floresta.
Ao passo que caminhava, sentia o clima cada vez mais frio. Olhei para o céu para verificar se haviam prenúncios de chuva. Sim, algumas nuvens hora ou outra cobriam a lua que brilhava cheia, iluminando a noite, mas nada afirmava que iria chover.
Pensei em interromper a caminhada e voltar para casa. Eu não sabia explicar o motivo, mas, eu já não estava confortável em continuar caminhando. Era como se eu estivesse tendo uma sensação ruim, o que me fez suspirar fundo e fazer o caminho de volta para casa. Eu era uma pessoa muito intuitiva. Acreditava em superstições. Se eu tivesse um pressentimento, nada me faria agir de forma oposta a ele.
Eu caminhava perto da área de mata e cantarolava alguma canção para espantar a sensação ruim, quando um grito agudo cortou minha canção.
Sobressaltada, procurei de onde o vinha aquele som. Continuei a caminhar, dessa vez mais lentamente e de maneira cuidadosa, afinal, eu não sabia de onde tinha vindo o grito. Olhava para os lados sem parar de caminhar. Não demorou muito e ouvi o segundo grito, que me pareceu mais perto. Quem quer que estivesse gritando, estava na floresta. Percebi que a voz vinha de lá.
Olhei ao redor e não havia ninguém. Imaginei que alguém precisasse de ajuda e fui em direção às árvores. Cercas de arame alertavam que não era permitido passar dali. Fiz um contorcionismo e passei pela cerca, me arranhando consideravelmente. À essa altura a iluminação era pouca, as luzes do condomínio estavam longe e eu só pensava em tirar aquela pessoa dali, que talvez estivesse perdida. Usando a lanterna do meu celular, eu iluminava o caminho. Eu estava com roupa de caminhada, uma camiseta fina e calça comprida. Ainda bem, porque o mato chegava na altura dos meus joelhos. Embora a lanterna do meu celular fosse forte, eu só enxergava um palmo a minha frente.
Caminhei lentamente, e depois fiquei parada por um tempo, iluminando ao meu redor, sem saber o que fazer e acreditando ter feito besteira em entrar na floresta na tentativa de salvar alguém. Foi quando ouvi o grito novamente. A pessoa estava tão perto!
Ouvi barulho de pés correndo e corri também, em direção a eles.
- Ei! Pare de correr! Onde você está? - gritei, ofegante.
Assim que gritei, escorreguei e levei um grande tombo.
Um murmúrio choroso escapou por entre meus lábios.
Meu celular havia caído de minha mão. Tateei procurando-o pelo chão, sem sucesso. Senti o chão gelado e musgo por entre as pedras.
- Fuja! Fuja! - A voz berrou e já parecia estar um tanto longe de mim.
Meu coração acelerou mais ainda. Senti tanto medo! Meu instinto me levantou do chão e eu corri.
Corri tanto, caindo e levantando. Meus braços e rosto ardendo, arranhados.
Não parei de correr, eu estava com mais medo ainda porque eu havia perdido a direção do caminho de volta para o condomínio. Parei por estar exausta e tentei me acalmar.
Nessa hora, ouvi passos ligeiros perto de mim e tornei a correr.
Por entre as árvores, vi luzes das casas e segui em direção à elas. Eu senti que havia achado o caminho.
Continuei a correr e saí da floresta.
Ofegante, achei a cerca de arame e passei por ela, muito distante do lugar por onde eu tinha entrado na mata. Com o coração acelerado, caminhei desmoronando até chegar no caminho que levava à minha casa. Deitei no asfalto da rua e olhei para a lua, não acreditando no que eu tinha acabado de fazer. Fechei os olhos, pensando no que tinha acontecido. Tentei me acalmar. Naquele momento eu já estava segura.
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Minicontos :)
Kısa HikayeSobre as coisas da vida: existe muita poesia em nosso cotidiano, e escrever sobre nosso dia a dia é uma forma de refletir sobre o quanto a vida é preciosa, exatamente do jeito que ela é.