quinta-feira, tarde

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Cheguei, senti o clima pesado. Vovô muito calado, mamãe em casa na hora do almoço. Estranho. Quando abriu o envelope da escola, ela só deu um suspiro fundo e ergueu as sobrancelhas:

– Daqui a pouco a gente conversa.

Os dois se fecharam um tempão no escritório. Pelo barulhinho da extensão percebi que davam vários telefonemas. Algo estava muito errado. Só não podia imaginar o quê.

Depois que eu e Caco almoçamos eles saíram, com ar de preocupados. Mamãe me chamou do corredor. No meu quarto, ela fechou a porta.

– Maria, você andou brigando?

– Ih, mãe. Foi a besta da Pati que começou. Ela disse que a Nanci disse que a gente tem falta de homem aqui em casa!

– Maria! Uma besteira dessas, você ignora! Entra por um ouvido, sai pelo outro. Já está uma moça, não dá pra se controlar?

– Quando elas falam do meu pai, saio do sério. Dá vontade, sei lá... Por que os meninos podem brigar e as meninas não?

– Não é nada disso. Violência é feio pra qualquer um. E, coitada da Pati! Não sei se não é melhor não ter pai nenhum do que viver com o Hugo. Não duvido que ela apanhe por causa dessa advertência.

– Bem feito.

– Não fala assim. Eu mesma já desculpei a Nanci por muita coisa que andou dizendo.

– É verdade que ele bate nela também?

– Chega, Maria! Não tem graça!

Parecia mais nervosa do que era normal nessas situações. A ponto de chorar.

– Como se não bastassem todos os problemas, você precisa criar caso na escola? Pensa que as coisas estão fáceis, neste país?

– Ah, mas que droga! Agora o país inteiro tem a ver com a minha briga?

Os olhos dela ficaram vermelhos, molhados, duas lagrimonas crescendo.

– Que foi? Mãe?

– Nada.

Tentou, mas não segurou. Soltou um soluço e as lágrimas escorreram.

– Seu tio Vinícius sumiu.

– Como, sumiu? O carro dele está aí na garagem.

– É, faz uns três dias. No começo não me importei, ele sempre faz essas maluquices. Mas hoje ligou um cara pro seu avô. Amigo, conhecido, sei lá. Contou que uns homens num Aero Willys preto estavam seguindo o Vina faz tempo. E que viu quando o prenderam, segunda–feira.

– Preso?

– O pior é que a gente não sabe de coisa nenhuma. Se eram da polícia, do exército, se era... sei lá! Faz dois dias, e aqueles idiotas dos amigos dele só avisam agora. É desse jeito que eles acham que vão mudar o mundo? Seu avô está telefonando para várias pessoas que conhece, tentando localizá–lo, mas nada. Sumiu, desapareceu!

E escondeu o rosto.

Quando gente chora, mamãe parece que sabe exatamente o que fazer. Mas, e quando é a mãe que está chorando? Fiquei feito boba olhando até ela começar a enxugar os olhos e respirar fundo.

– Maria, eu também não estou entendendo nada. Como é que a gente fala isso? Olha. É difícil explicar, mas tem gente sumindo, sendo presa por qualquer motivo, só porque é contra. O governo. A situação... tá complicada. Não viu o pai da Cléo? Proibido de dar aulas na Universidade, teve de ir embora para a Inglaterra. A coisa está meio... feia. Quem tiver opinião, é melhor não dizer nada para ninguém. E o seu tio, às vezes, tem umas opiniões um pouco... bastante... exageradas, né?

Olhou para o relógio.

– Filha, eu preciso ir. O Jorge me deixou passar em casa para ver o que estava acontecendo, mas tenho essa reunião na agência às três, não vai dar para faltar e ainda tenho de dar um jeito na minha cara.

Passou a mão no meu rosto.

– Escuta. Desculpa falar desse jeito. Não queria que você ficasse assustada. Depois a gente conversa com calma. Tenho certeza que seu avô vai conseguir achar o Vinícius. Ele conhece muita gente importante lá do Fórum. Vai dar um jeito, você vai ver. Não comente nada disso, melhor ninguém ficar sabendo. Fica de olho no Carlinhos, tá? Não quero ele na rua até de noite. E você tem Inglês no fim da tarde. Não vá deixar Dona Ágata esperando.

Vovô continuava trancado no escritório, grudado no telefone. Eu já estava me sentindo mal, fechada dentro de casa, e resolvi sair de uma vez.

O SOL NÃO ESPERAOnde histórias criam vida. Descubra agora