30/11, quinta

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Cheguei da escola e a Cida veio com um envelope.

– Um menino deixou para você. Um tal de Lucas.

– Não é Lucas, Cida. Luca.

– Tá, Maria, Lu-cá. Esse que é o filho daquela francesa que mudou aqui para a rua? Naquela casa que era da Dona Adélia? Uma bonitona, morena? Que tem um Galaxy branco? Diz que também é desquitada. Vocês estão namorando?

Nunca vi uma pessoa mais fofoqueira que a Cida, apesar de mal informada.

– Que namorando! Nem conheço o menino direito! E não são franceses: italianos, tá?

– Nem conhece e ele veio aqui trazer uma carta. Sei... Pra mim, é carta de amor. Cheira pra ver se está perfumada.

– Ih, Cida! Que bobeira! Você está lendo muita fotonovela!

– E você, não?

Corri para o quarto. Não tinha carta, bilhete, nada – só as carteirinhas. Não é que o danado era bom mesmo? Perfeitas.

Cléo examinou a carteirinha de todos os ângulos possíveis. Ergueu os olhos e suspirou.

– E agora eu vou ter de ir com você nessa bendita festa? Ma, diz só uma coisa: o que eu vou fazer lá?

– Sei lá. Dançar?

– Dançar, eu? E se ninguém me tirar?

– Você acha mesmo que nenhum menino vai tirar a gente?

– Não disse a gente. O chato do Luca está todo assanhado pro seu lado.

– Não é nada disso.

– Pois está. Mas e eu? Escuta: vou se você prometer que só dança se eu dançar.

– Só faltava essa. Que adianta eu prometer se você sabe que não vou cumprir? O Dani vai, sabia?

A Cléo gosta dele desde a quinta série.

– Quem disse?

– Ele mesmo. Vai com o Tom, Akira... os meninos lá da rua.

Só para não dizer com o Luca. Ela fez bico.

– Mas o que a gente vai dizer em casa? Nunquinha minha avó vai me deixar sair à noite para ir a uma festa que não é para a minha idade. Se ainda o papai estivesse aqui...

– Diz que vai dormir lá em casa.

– E você, diz o quê? Lembra o rolo que deu com a irmã da Pati? Todas disseram que iam dormir umas na casa das outras. Aí a Nanci ligou para a mãe da Lica para dizer que a Suzi tinha esquecido a escova de dentes .

Ô se eu lembrava. Foi o assunto do mês, na escola. As sete foram pegas numa boate pelo tio Hugo. Dizem que a Suzi passou uma semana sem poder sentar. Mas nem aquela festa era tão proibida como boate, nem minha mãe era igual ao pai delas. Eu ia ter de dar um jeito.

– Olha, Cléo, se preocupe com a sua avó que lá em casa eu me viro, tá, meu?

– "Meu"...? Já está ficando igualzinha ao Luca. Metida. Só quero ver você convencer a Malu. Ainda mais agora. Olha, Maria, não quero que você fique chateada, mas... não acha que está sendo um pouco... alienada?

– Como assim?

– Depois de tudo o que aconteceu com seu tio, você ainda tem coragem de ficar pensando em festa?

Será que sou tão má?

– O que você queria que eu fizesse? Afinal, ele está bem, já foi embora, até telefonou. Deu tudo certo. Será que tenho de ficar trancada em casa, chorando?

– Não é isso. Mas com aquela história horrível da Aidê, você não sente remorso?

– Cléo! Quer que eu me sinta culpada? Mamãe mesma disse que nessas horas é melhor a gente tentar levar vida normal. E meu avô falou que não tem nenhuma prova de que ela esteja morta. Tio Vina desmaiou, não viu nada. Desaparecida.

– Faz alguma diferença?

– Sei lá. Eu gostaria que existisse algo que duas meninas como nós pudessem fazer, que fizesse diferença para ela. Mas você sabe muito bem que não é assim. E, pelo que eu conheci da Aidê... Sempre gostou de festa. Diria para a gente ir, se divertir por ela. Fala a verdade. Bem que você achou legal, a carteirinha.

– Tá, achei. Desculpe, Maria, mas é só que eu acho o Luca...

– Escuta, você não conta pra ninguém o que vou perguntar?

– Hãhã.

– Você acha mesmo que ele está gostando de mim?

– Eu não disse gostando...

– Tá, eu sei. Mas por quê?

– Sei lá! O jeito que ele fica quando você está perto: metido, faz de tudo para aparecer.

– Ele não é metido.

– Como não? É o menino mais besta, exibido e arrogante que já vi. Fala inglês pra lá, italiano pra cá, falsifica carteirinha, sempre botando banca de bacana. Não sei o que você viu nele.

– Mas será que ele gosta de mim?

– Como eu vou saber? Pergunta pra ele!

Falei, falei, mas não fazia ideia de como ia convencer minha mãe. No começo tinha mesmo pensado em mentir como a Suzi. Mas era o tipo da mentira burra. Bastava uma escova de dentes, uma calça de pijama. O jeito era tomar coragem, dizer a verdade, arriscar ouvir um não. Mamãe é tão...! Imagine se ela ia achar certo esse negócio de falsificação. Era até capaz de me proibir de andar com um menino daqueles.

Depois do jantar ela me chamou do quarto. Com a carteirinha na mão. Gelei. Droga, que cabeça, por que não escondi? A prova do crime, em cima da escrivaninha. Fiquei esperando que ela dissesse a coisa horrível que eu estava fazendo e me pedisse para – na frente dela e muito honestamente – rasgar aquela carteirinha. Tudo acabado. Adeus festa, adeus Luca.

– Maria, como nunca fiquei sabendo que você tinha nascido antes de eu casar?

Não sabia o que dizer. Mas ela ria. Começou a contar de coisas que fizera quando tinha a minha idade. Estava se divertindo!

– É para ir ao cinema?

– Numa festa. No clube. Sábado.

– Mas por que não falou logo? É a Nanci que está organizando essa festa. Perguntou se você queria ir, fazer companhia para a Pati, mas com esse rolo do seu tio acabei esquecendo. Pati não disse? Claro que você pode ir. E a Cléo? Quer que eu fale com a D. Ágata?

Vá entender minha mãe. Quase sempre faz o contrário do que a gente está esperando.

E agora vou ter que ir. Não sei se sinto alívio ou pavor. Vai estar cheio de gente mais velha. O que nós vamos fazer lá? Dançar? E se o Luca não for? Que roupa vou usar? Revirei o armário. Nada que preste. Não posso ir a essa festa! 

O SOL NÃO ESPERAOnde histórias criam vida. Descubra agora