9/12, sábado

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Esta manhã aconteceu uma coisa engraçada. Quase não chego para ver, tinha ido na Cléo devolver uns discos. Mamãe saíra cedinho, vovô estava no banho, Caco por aí e a Cida quando liga aquele rádio... Chegaram dois amigos de mamãe, Félix e Alice, com Clara, a filhinha deles de seis meses. Tocaram, tocaram e nada. Resolveram esperar ali mesmo. Alice recostou no colo do Félix e cochilou, à sombra da tipuana.

Pouco antes da hora do almoço vovô saiu para ir até o bar e deu de cara com aquela cena. Sentados na calçada, com um monte de mochilas, um casal e um bebê. O rapaz, calça Lee toda rasgada, cabeludo e barbudo; a moça com uma saia indiana arrastando pelo chão, e aqueles chinelos de couro! Olhou um pouco para eles e entrou novamente. Cheguei bem a tempo de ver a confusão. Vovô saiu com pães, leite e uma sacola de roupas velhas para dar. Alice o encarava, espantada.

– Dr. Heitor?

Aí quem se espantou foi ele. Aqueles mendigos sabiam seu nome?

– Não está me reconhecendo? Alice! Amiga da Malu.

– Minha filha, o que aconteceu? Porque não disse que estava numa situação difícil? E com uma criancinha... Nós teríamos ajudado!

– Não, Dr. Heitor. Está tudo bem. A gente acabou de chegar do sítio.

– Não tá vendo o jipe, vô?

O jipe era aquele monte de lama parado na esquina.

– Dr. Heitor, este é o Félix, meu... namorado.

Vovô fez uma cara muito feia para o Félix, apontando a Clara:

– É sua filha?

– É.

– E o senhor faz o quê?

– Estou esperando a Malu.

– Não foi isso que eu perguntei. Quero saber o que o senhor faz para dar uma vida decente para a sua... família! Vão pondo filhos no mundo sem pensar em como criar?

Félix abriu a boca, a ponto de dar uma resposta, quando vovô começou a olhar para ele com muita atenção.

– Espere aí... Sua cara não me é estranha. Eu lhe conheço, rapaz. Você não tinha esta barba. Seu nome é Félix... do quê?

– Lobato.

– Claro! É filho do Lobato, o jornalista! Chegou a trabalhar no jornal com seu pai, não é verdade? Veja, Maria, que coincidência: filho de um grande amigo meu! Sabe que este moço, apesar da cara de maluco, tem uma história bonita? Foi o quê? Há três, quatro anos? O Nunes era um velho companheiro nosso de boemia e perdeu o emprego de professor por causa da política. Andava se virando nas editoras, fazendo revisões, traduzindo. Nessa época perdemos contato; fiquei um bom tempo sem ouvir falar nele. Um dia, me aparece no Fórum este menino, passando uma lista, arrecadando dinheiro para ajudar o Nunes, que tinha sofrido um acidente. Estava no hospital sem ter nem para pagar a cirurgia, a mulher e os filhos passando necessidade. Pois o Félix aqui me fez reencontrar esse velho amigo. E ajudou a salvar a vida do poeta.

– Que é isso, Dr. Heitor? Foi o pessoal da faculdade. O Nunes era um grande professor. Ninguém se conformou quando teve de sair. E depois do acidente... Nos achamos na obrigação de fazer alguma coisa. Sabendo que ele tinha tantos amigos, não foi difícil.

– Pois é. Como é a vida, não? Apesar dessa roupa de vagabundo, está aí um ótimo rapaz. Mas vamos entrando, meus filhos. Estou me sentindo um bobo, no meio da rua com este prato na mão. Está quase na hora do almoço e a Cida prepara um camarão ensopadinho que é uma delícia! Falando na Cida, Maria, onde estava ela que não abriu a porta para os amigos da sua mãe?

O SOL NÃO ESPERAOnde histórias criam vida. Descubra agora