A semana passou voando. Só conseguíamos pensar, falar e planejar a festa. E hoje começou bem cedo. Luca e Tom vieram logo depois do café, querendo saber onde ficavam as tomadas da sala. Difícil foi transportar tudo da casa dele para a minha. À pé, e na subida! Debi e Akira apareceram para ajudar. Caco não desgrudava do Luca, querendo saber tudo, onde ligava, o nome da música, para que servia aquele fio... Alice acordou tarde e adorou a bagunça. Afastou os móveis comigo e a Debi, conseguiu uma chave de fenda para os meninos, forrou os sofás com colchas coloridas e trouxe um buquê de flores do campo.
Quando Luca ligou pela primeira vez o gravador, para testar, vovô teve uma idéia súbita. Súbita e brilhante: Passar o fim de semana no sítio de uns amigos. Logo ele, que detesta dormir fora de casa. Era mesmo um tremendo som. Mamãe foi buscar o bolo, os meninos precisavam de uma escada para pendurar a luz negra e começou uma discussão para saber se iam poder pregar um prego na parede. Alice resolveu o problema: tirou aquele quadro horrível das abóboras que o vovô tanto gosta. A luz ficou meio torta no gancho do quadro, mas aguentava. Luca estava tão bonito no alto da escada com o alicate na mão.
– Maria, preciso ir. Fingir que estudo o resto da tarde, se quiser sair à noite. Não se preocupe. Volto lá pelas nove.
– Você vai ficar grudado no som a noite toda?
– Não! Só para trocar as fitas. Qualquer coisa, teu irmão ajuda.
– Caco?
– Ô! Legal, ele, Maria. Moleque inteligente.
Alice me trouxe a coisa que eu mais queria: Um vestido indiano. Retalhinhos de tecidos estampados de todas as cores, bordado em cima com espelhinhos. Mamãe deu a sandália amarrada na perna que eu queria. Alice penteou meu cabelo, algumas trancinhas no meio do cacheado.
– Adorei seu namorado, Maria! Esperto, tão bonitinho. E como gosta dos Rolling Stones!.
– Pena que a Cléo não pense assim. Se você visse como implica com ele!
– Está com ciúmes. Não liga.
– Do Luca?
– De você, da amiga. Isso passa.
– Ela disse que fui rápida demais. Sabe, ele me pediu na noite da festa do clube. Aí, no dia seguinte, de manhã, eu ia passando... Ele estava no muro e me chamou, perguntou a resposta... O que eu ia fazer? Aceitei, ora.
– Você queria, né?
– Lógico.
– Então tinha mais que aceitar. Esse papo de ficar esperando já era. O amor é muito louco! E depois?
– A gente foi para o quarto dele. Ficamos dançando aquela música dos Stones, Wild Horses.
– E então... ele te beijou!
– Não.
– Não? E até agora...?
– Beijo na boca ainda não. Só no rosto. E abraço, pegar na mão... Outro dia ele me deu uma mordida no pescoço.
– Maria do céu, coisa mais linda! Ele também nunca beijou.
– Não é possível. Como você sabe?
– Está na cara! Do jeito que ele olha para você... Se não fosse a primeira vez, já teria beijado.
– Será?
– Quantos anos ele tem?
– Catorze, em março.
– Mmmm... Está louquinho para te beijar! Maricota, conta uma coisa: você é a primeira namorada do Luca?
– Sei lá. Acho que não.
– Ele nunca disse?
– Não, por quê?
– Porque, com esse jeito dele... Se for, ele não vai dizer. E se tivesse dito talvez não fosse.
– O quê?
– Deixa pra lá. Tenho certeza. Você é a primeira namorada dele. Menina, você tem muita sorte! É a coisa mais linda do mundo!
– Você acha?
– Lógico! É assim que as coisas deviam ser, sempre! Até parece cinema. Por que você não vai logo e dá um beijo na boca dele?
– Eu, hein? Tenho vergonha. Nem sei beijar.
– Que gracinha. Ele também pensa que não. Mas você não vai ter de esperar muito mais. Tenho certeza! E quando ele beijar você, Maria, vai fundo!
– Como assim?
– Ah... Bom... Como é que eu vou explicar? É... Imagina que você está perdida no deserto do Saara. A água acabou, aquele sol de rachar, um calorão. Você anda, anda, suando, quase morrendo de sede. De repente, PLIM! Surge na sua frente uma bela melancia cortada ao meio, suculenta, geladinha, deliciosa. O que você faz?
– NHÁU! Na melancia.
– É isso. Beijar é assim. É essa melancia.
– ?!?!?
– Tudo bem. Logo logo você vai entender. E, se a minha intuição não está me enganando... amanhã você me conta.
– Onde você vai?
– Acender uma vela para os meus anjinhos da guarda. E arrumar uma coisa. Uma ideia que eu tive. Você vai ver.
Cléo chegou cedo. Não ia perder o bolo. Até se arrumou. A mesma calça Lee mas com uma blusa de veludo molhado lindona, o tal chapéu. E de batom!
Nove horas. Tias indo embora, amigos chegando. Até às nove e quarenta foi um tal de abrir e fechar aquele portão que nem notei que o Luca ainda não viera. Depois pensei que era o jeito dele, assim. Já já ele chega. Caco no som, fones nos ouvidos, feliz da vida. E tome atender a campainha, sempre tentando não esperar que fosse ele, sempre escondendo a pontinha de decepção por não ser.
Quase dez horas, um monte de gente, todo mundo se divertindo. Do Luca, nem sinal. Pela primeira vez na vida dou uma festa legal dessas e nem posso aproveitar! Me deu um medo, uma vontade de estrangular, uma aflição! Fiz de tudo para disfarçar, dancei, conversei, comi. Vai ver, ele acha normal. Tentei achar normal. Não deu. Dez e dez; eu queria desistir, sumir, e não podia. A festa era minha. Dez e vinte, fui me despedir da última das tias, uma irmã do vovô muito gorda chamada Iolanda. Fechei o portão sem vontade de voltar.
Alguém havia colocado um banco escondido debaixo da quaresmeira, junto ao muro, com uma vela acesa num pratinho do lado. E flores. Alice, lógico! Então ela achou que era isso que ia acontecer. Luca viria sentar comigo nesse cantinho e... que boba. Que idiota eu sou. Se ele quisesse... mas não. Ou teria acontecido alguma coisa terrível? Uma tragédia?
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O SOL NÃO ESPERA
Roman pour AdolescentsO ano é 1973. Maria está prestes a completar 13 anos e sua vida parece ter virado de ponta-cabeça, num redemoinho. Não bastasse estar perplexa com as atividades misteriosas de seu tio, ela vai conhecer Luca, um novo menino que acaba de mudar para a...