Os raios de sol da manhã passavam pelas janelas e penetravam as cortinas. Alice abriu os olhos preguiçosamente, para fechá-los de novo. Ainda não estava completamente desperta. Se virou na cama e abraçou o travesseiro. O sol incidiu diretamente em seu rosto. Fez uma careta por causa da claridade, e abriu os olhos lentamente. Aquele estado de semi consciência era bom. Ela ainda não tinha se lembrado de tudo que tinha acontecido na noite anterior. Acordar ainda sonâmbula tinha suas vantagens. Se virou de um lado para o outro na cama, tentando voltar a dormir. O barulho do relógio na parede entrava por seus ouvidos "Tic-Tac", lembrando-a que ela não iria conseguir mais dormir depois daquela explosão de luz amarela no seu rosto. Cansada de lutar, depois de meia hora ela se sentou na cama, irritada. Os barulhos da cidade chegavam até seu quarto, abafados. Já deviam ser por volta das nove, já que esse era o horário que o sol começava a bater na janela de seu quarto. Olhou para o relógio que insistia em lembrá-la que ela não iria dormir mais. Eram nove e meia. Sem maiores alternativas, se levantou da cama. Procurou por suas pantufas, já que apesar de todo aquele sol ainda era uma manhã fria. Tinha fome. Seu estômago se revirava, vazio. Ela não podia se lembrar qual fora a última vez que tinha comido. Talvez um lanche com a Alice antes da apresentação, não sabia dizer ao certo a que horas. Mesmo com fome, ela decidiu que ia continuar mais um pouco no quarto, antes de sair para enfrentar o mundo mais uma vez. Foi até a janela e olhou paras as pessoas na rua. Sua boca se contorceu numa expressão de raiva e de inveja. As vezes ela queria que a vida dela fosse tão simples como a daquele gato preto que andava no muro do vizinho. Tão elegante, tão despreocupado. O maior problema da vida era conseguir pegar aquele passarinho, e se não conseguisse fazer isso, sua dona estaria esperando-o com um tigela de leite quente. Um grupo de crianças veio correndo pela rua e o gato correu pelo muro, até chegar ao seu final e poder subir em um telhado, para se esconder. Talvez ele precisasse de um pouco daquele espírito de autopreservação. Talvez, tudo que ela precisasse naquele momento, e talvez pelo resto de seus dias, era saber a hora de se esconder. De se retirar estrategicamente e observar o seus entornos. Olhar atentamente para cada agente, e supor o que ele faria no seu próximo movimento. Mas ela era ansiosa e apressada demais para esse tipo de coisa. Meia hora observando já era o suficiente para deixá-la bem próxima da loucura. De todo modo, se espelhar na postura daquele gato era um caso a se pensar. Não que ela fosse conseguir absorver aquilo de uma hora para outra, mas quem sabe com o tempo. Dizem que a resignação é uma virtude da maturidade. Bom, ela teria que esperar a maturidade para experimentar isso, então.
Se cansou de olhar a rua, em boa parte porque seu estômago estava sendo bem insistente quanto às suas necessidades. Pegou um roupão pendurado na cadeira perto da parede. Aquela manhã estava mesmo surpreendentemente fria. Foi até a cozinha e procurou por algo que desse para comer nos armários, que estavam vazios, exceto por uma caixa de cereal. Aquilo seria suficiente. Colocou o cereal em uma tigela, e depois completou o recipiente com leite. Enquanto cumpria os desejos de seu estômago, a noite passada voltava à sua memória. A cada colher que enchia flashes de Heitor subindo no palco e gritando com ela vinham à sua cabeça. Aquilo tinha sido terrível. Todas as pessoas na plateia olhando para eles, paradas, como que se contemplassem um quadro em um museu. E como Heitor tinha tido coragem de fazer aquilo com ela? Mas, se para alguma coisa aquela noite e toda aquela cena tinham servido, foi para esclarecer como ela se sentia. Por mais ridículo que tudo aquilo que Heitor fez fosse, ela ainda assim não sentia raiva dele. Na verdade, parecia mais claro para ela que ela gostava de Heitor, e que talvez não fosse certo continuar com Gabriel. A tigela de cereal havia acabado, então ela se levantou para se trocar. Ela precisava falar com Marina, saber o que ela teria a dizer sobre tudo aquilo. Marina sempre a entendia, e podia indicá-la sobre o que fazer como ninguém mais. Foi até o seu quarto e abriu a porta do guarda-roupa. Colocou sua meia calça, para aquece-la no frio que fazia na cidade, e um vestido branco com bolinhas pretas, junto de um sapato preto. Passou um pouco de perfume e ajeitou os cabelos, fazendo o melhor que podia para parecer bem mesmo com tudo que tinha acontecido na noite anterior. Estava arrumada de forma simples, mas mesmo assim estava muito bonita. Aquilo com toda certeza a ajudaria com todas as suas inseguranças. Estava já na porta da sala quando bateram na sua porta. Aquilo fez com que sentisse uma sensação estranha no fundo do seu estômago. Não era muito comum que ela recebesse visitas, a menos que fosse Marina. Abriu a porta, com receio. Gabriel esperava por ela.

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Alice
Fiksi SejarahAlice é uma dançarina de burlesco que se vê dividida entre dois homens, tentando se decidir entre o homem que ela ama e o homem que a ama. Nessa busca conta com o apoio de amigos para superar suas dúvidas, seus problemas e os perigos que o amor mal...