O carro partiu pelas ruas do bairro, rasgando o silêncio da noite. Aos poucos eles iam ganhando as ruas, e as dúvidas de Marina aumentavam. Olhou pela janela, em um estado de contemplação. Foi até o fundo de sua memória, buscando por algum olhar, alguma palavra, qualquer coisa que Ariane tivesse feito e que pudesse dar origem às acusações de Heitor. Nada que a fizesse compreender tudo aquilo chegava até ela. Alguma coisa estava escondida nessa história, tudo estava muito nebuloso. Fernando segurou a mão dela. Ela sorriu, um sorriso forçado, uma tentativa ineficaz de parecer tranquila. Ele retribuiu o sorriso, uma forma de tentar passar um pouco de tranquilidade para a amada. Talvez ele pensasse que estariam indo para algum lugar perigoso, ela percebia agora que não tinha falado para ele quem era a pessoa que ela teria que ver, e ele era educado demais para perguntar isso. Pensou um pouco sobre aquela situação, e decidiu que seria melhor contar logo para ele aonde estavam indo. Serviria para acalmá-lo, e também para o quebrar o silêncio dentro do carro. A situação já estava ficando desagradável.
-Estamos indo para a casa da Ariane, não vai demorar muito. Já estamos quase no bairro dela.
-Acho que eu não conheço ela.
-Ela trabalha comigo no clube, preciso esclarecer algumas coisas com ela. Rápido, de preferência.
-Então eu não estou entendo nada mais.
-Não entende o quê?
- O porquê de eu estar aqui. Não parece ser uma situação perigosa. Pensei que algum homem estava te ameaçando de alguma coisa, e você precisasse de ajuda.
Aquilo a atingiu em cheio. Era um sentimento dúbio o que aquelas palavras despertavam. Era bom se sentir protegida. E ela sabia que Fernando desejava apenas mostrar seu amor por ela, através do cuidado. Ao mesmo tempo, era um pouco incômodo a suposição que ele fazia de que ela não poderia resolver suas próprias questões. Sua boca chegou a se contorcer, num gesto de reprovação, mas se lembrou de que aquilo também era um gesto de amor, mesmo que torto, e preferiu ficar quieta.
-A verdade é que pode ser uma questão séria.
-Entendo... Ele disse como quem saber mais sobre a situação, mas é muito educado para perguntar. O tom de indiferença nas palavras, com a centelha de curiosidade no olhar.
-Tenho motivos para acreditar que essa mulher tramou para separar Alice do homem que ela ama. Nós achamos que ele tinha deixado Alice, mas um acontecido dessa noite me fez pensar que ele ainda gosta dela. Acontece que a separação dos dois partiu dele, sem nenhum motivo aparente. Por isso tínhamos pensado que ele tinhas e cansado de Alice. Só que essa noite ele disse coisas que me fizeram pensar... Acho que Ariane pode ter mentido para ele, com o propósito de separá-lo de Alice.
Ela então contou tudo para ele. Os vários encontros que Alice tinha com Heitor. Sobre o medo natural de Alice com relação aos homens, medo que Heitor teve que quebrar aos poucos, até fazê-la se sentir confortável na presença dele. A forma como, com relutância ela decidiu que iria finalmente dar um voto de confiança ao rapaz, e como justamente nesse dia ele se jogou nos braços de outra, sem nenhum porquê. Como, fortunadamente, elas conheceram Gabriel naquele noite, e que Alice decidiu que iria sair com ele. Aquele foi um duplo golpe de sorte. Gabriel era simplesmente perfeito com Alice, e Marina acabou conhecendo Fernando naquela noite. Tudo aquilo tinha levado-os para onde eles se encontravam agora. E o mais cômodo poderia ser ignorar tudo aquilo, mas algo dentro de Marina fervilhava. Uma voz sussurrava em seu ouvido que Heitor ainda mexia com o coração de Alice. E se ela se casasse com Gabriel, numa busca de preencher esse vazio que ela sentia, e acabasse por perceber que ainda gostava de Heitor? A felicidade de sua amiga era muito importante para que ela aceitasse correr esse risco. As casas já ficavam mais simples conforme eles iam deixando o centro da cidade, rumo ao bairro de Ariane. Ela mal ganhava o suficiente para se manter. A verdade é que Ariane nunca fora muito fã do palcos, e isso refletia no cachê que ela ganhava. A situação piorou quando Marina chegou ao clube, e o dono secou todo gasto que considerasse desnecessário, para dar todos os mimos possíveis para Alice. Adorada como ela era pelas plateias, era difícil competir com as ofertas de outras casas noturnas. Alice se sentia tremendamente culpada com aquela situação, e tentou inúmeras vezes se tornar amiga de Ariane, sem sucesso. O número que Marina fazia com Alice na verdade tinha sido idealizado pela amiga, para se apresentar junto de Ariane, numa tentativa de melhorar os ganhos da pobre menina. A situação entre elas já não era das melhores, e chegou ao fundo do poço quando um rapaz admirado por ela pediu Alice em casamento, depois que a viu se apresentar. Óbvio que Alice recusou. O rapaz estava bem bêbado e provavelmente nem se lembraria daquilo no dia seguinte, além do fato de que Ariane gostava dele. Não importava o que Alice fizesse, Ariane simplesmente não deixava ela se aproximar, até que Alice simplesmente desistiu, e as duas passaram a se ignorar desde então. Faria sentido Ariane tentar rouba o rapaz que cortejava Alice, já que ela tinha tanta mágoa com relação a ela. Marina só não queria acreditar que ela chegaria tão baixo.
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Alice
Historical FictionAlice é uma dançarina de burlesco que se vê dividida entre dois homens, tentando se decidir entre o homem que ela ama e o homem que a ama. Nessa busca conta com o apoio de amigos para superar suas dúvidas, seus problemas e os perigos que o amor mal...