Horror na Escuridão da Estrada

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 A história narrada a seguir me foi contada por um amigo, Jonas Goldberg, que conheço a bons vinte anos e dou garantia de idoneidade. Segundo ele, trata-se de um causo muito comum na cidade de Franco da Rocha, onde seus pais moravam pouco menos de uma década atrás. Tive oportunidade de ouvi-la num dos inúmeros acampamentos que eu, Jonas e nossos amigos realizamos nessa cidade. Numa noite escura, ao redor da fogueira, nosso amigo fez-nos conhecedores do lúgubre destino de um casal amigo de seus pais.

 Segundo meu amigo, Inês e Adolfo decidiram passar uns dias na chácara que tinham na divisa entre Franco da Rocha e Caieiras, próxima a uma das represas da região. Como não tinham filhos e estavam, ambos, de férias do trabalho, arrumaram suas coisas e, numa noite de quinta-feira, pegaram a estrada.

 A viagem deveria ser rápida, não tomando mais que uma hora, uma hora e meia de percurso mas uma tempestade fortíssima os surpreendeu no caminho, obrigando-os a parar num restaurante de beira de estrada e esperar o aguaceiro acabar.

 Quando o tempo melhorou, seguiram viajem. Inês estava preocupada. Haviam esperado bastante tempo na parada e era quase uma hora da manhã. Adolfo buscava tranquilizá-la, dizendo estarem próximos do destino. A lua tinha aparecido entre as últimas nuvens pesadas no céu e lançava seu brilho pálido na estrada.

 Foi quando Adolfo gritou e jogou o carro subitamente para a direita. Ainda assim não conseguiu desviar do animal que aparecera do nada, praticamente se atirando, de dentro da densa mata que ladeava a rodovia, na frente do veículo. Inês gritou quando os faróis iluminaram a criatura e, em seguida, ouviu-se o ruido abafado de ferro contra carne.

 Felizmente Adolfo era um motorista capaz e conseguiu controlar o automóvel, parando-o alguns metros a frente, em segurança. O casal desceu do veiculo e correram ver se o animal que haviam atropelado ainda estava vivo e podia ser socorrido. Num primeiro momento não entenderam o que estava acontecendo. Olharam-se quase que simultaneamente e não precisaram trocar uma palavra para constatar a confusão no semblante um do outro. O que jazia inerte na pista não era um bicho e sim um ser humano, nu, gravemente ferido e sangrando no asfalto da estrada. Começara chover mais uma vez. As nuvens pesadas haviam voltado.

 Sem demora Inês e o marido colocaram o desconhecido infeliz, que respirava com dificuldade, no banco de trás do carro e partiram rumo a chácara, o local habitado mais próximo de onde estavam. Felizmente a chuva estava mais branda desta vez e não atrapalhou o percurso, permitindo que alcançassem o destino com relativa rapidez. Uma vez nele, Adolfo levou o estranho para a sala, acomodando-o no sofá. Inês correu até a cozinha e telefonou para o hospital de Caieiras, explicando a situação. A enfermeira que atendeu prontamente orientou os procedimentos de primeiros socorros e colheu o endereço para enviar a ambulância. Pediu que aguardasse e mantivesse a calma pois a ajuda chegaria o mais rápido possível.

 Inês desligou e, respirando fundo, procurou acalmar-se. Ficou um pouco mais aliviada ao ver, pela janela, que a chuva cessara completamente, mais uma vez. Isso agilizaria ainda mais a chegada dos médicos, pensou ela.

 Voltou para a sala e encontrou o desconhecido consciente. Estava sentado, coberto por uma manta, e conversava com Adolfo. Ficou feliz a princípio mas, no instante seguinte, estranhou uma recuperação tão rápida como aquela. Sua estranheza só fez aumentar quando prestou atenção ao tom da conversa. O homem implorava que Adolfo o matasse pois era o que desejava quando, deliberadamente, se atirou na frente do carro do casal. O marido de Inês procurava acalmá-lo, dizendo que não falava coisa com coisa e, provavelmente, estava aturdido com a violência do acidente. Mas o estranho, além de bastante exaltado, continuava irredutível. E avisava que quanto mais demorassem em dar cabo dele, mais as vidas de ambos corriam perigo.

 Marido e esposa, infelizmente, não tiveram tempo de pensar ou fazer nada. A lua surgiu novamente no meio das nuvens e o homem desconhecido, ao vê-la pela grande janela atrás do sofá onde estava, atirou-se no chão e urrou como uma besta enfurecida. Em questão de segundos, onde havia um homem gritando, agora se encontrava um imenso animal negro, recoberto por vasta pelagem, com grandes presas e olhos infernalmente acesos. Inês, muda e imobilizada pelo horror que acabara de testemunhar, não acreditava no que via. Adolfo, demonstrando mais uma vez rapidez de raciocínio, empurrou a mulher para o corredor adjacente à sala, gritando pra que fugisse. Ela obedeceu e correu. O marido colocou-se na frente da criatura, sendo atacado por ela com selvageria. Desesperada, Inês ouvia os gritos de Adolfo enquanto corria pela casa. Alcançou o lado de fora e viu o carro estacionado metros a frente, logo depois da piscina. Se dirigia rapidamente até ele mas, na metade do caminho, ouviu um rosnado. Olhou para trás e viu a criatura saltando em sua direção. O impacto foi forte e a apavorada mulher, que nesse momento encontrava-se exatamente na beira da piscina, perdeu o equilíbrio e caiu na água junto com o monstro. Por um momento achou que morreria mas conseguiu desvencilhar-se daquele ser hediondo e nadar rapidamente para a beirada oposta. Apoiada no outro lado, olhou novamente para trás e viu que a fera, ao que parecia, não sabia nadar e estava se afogando.

 Foi quando notou que a ambulância havia chegado na chácara, percebendo a claridade da luz dos faróis do veículo. Mais que depressa Inês saiu da água e correu em direção aos médicos que haviam descido mas estavam do lado de fora da porteira. Ainda terrivelmente desesperada, a mulher abriu o portão de madeira e foi acudida pelos homens do hospital. Gritava frases e palavras desconexas sobre seres enraivecidos atacando seu marido dentro da casa. A polícia foi chamada e, assim que chegou, adentrou a chácara junto com os médicos. Adolfo foi encontrado vivo, em estado gravíssimo, estirado no chão da sala onde havia sido atacado. Ficaria meses no hospital mas, segundo dois dos médicos que prestaram o socorro, sobreviveria. Tensos minutos depois um policial voltava para a ambulância onde Inês havia sido deixada, cuidada por um dos médicos, para avisar com o que tinham se deparado na chácara. O maníaco que atacara o casal estava morto, afogado na piscina.

 Passados seis meses dos eventos insólitos, Inês e Adolfo voltavam para a chácara onde eles ocorreram. O marido tivera alta do hospital e estava quase recuperado. A esposa acreditava que, no campo, o restabelecimento seria melhor e queria se livrar de uma vez das más lembranças, voltando a frequentar o lugar e substituindo as recordações antigas e desagradáveis por outras novas e felizes. Haviam lutado bastante para conseguir aquele pedaço de terra que tanto amavam e decidiram que não se desfariam dele.

 Dois dias depois Inês estava na cozinha lavando a louça do jantar, admirando pela janela, a linda lua que mais uma vez mostrava-se majestosa no firmamento. Quase no mesmo instante ouviu Adolfo urrar desesperado em seu quarto, no segundo andar. A mulher correu pra lá o mais rápido que pode e, ainda nas escadas, escutava o som de móveis sendo despedaçados e alguém, aparentemente, sendo atirado contra as paredes. O que era aquilo? Será que um outro monstro, como o de tempos atrás, havia invadido a chácara e atacado seu marido? Como isso era possível?

 Chegou até o aposento e o encontrou vazio, com todos os móveis, cama, guarda-roupas, gaveteiro, destruídos. A janela estava estilhaçada, como se alguém tivesse se atirado por ela, de dentro do cômodo, com a mesma fechada. Sua alma gelou ao olhar para fora, para o céu acima, para a lua cheia que lançava sua luz esbranquiçada quarto adentro.

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