Madrugada do Monstro

130 9 0
                                    

 Por muitos anos, desde sua infância no interior do estado de São Paulo, meu avô ouviu histórias e rumores sobre o lobisomem. Vez ou outra surgia o boato de um avistamento, atividade da fera em algum lugar distante ou um ataque, fatal ou não. Mesmo nunca tendo, ele próprio, colocado os olhos sobre a lendária besta noturna, não desacreditava do que lhe contavam. Seu pai, meu bisavô, alertava sobre o perigo que a criatura oferecia nas noites de lua alta. Seus tios e amigos próximos, pessoas absolutamente confiáveis que tinham mais o que fazer da vida que inventar histórias para assustar crianças, endossavam a veracidade desses relatos. Alguns deles, inclusive, já tinham cruzado o caminho do monstro em algum momento de suas vidas. A atividade dos lobisomens naquela época, início do século passado, era frequente e não raro se ouvia falar de sua nefasta aparição.

 Mas, mesmo jamais tendo feito pouco do que ouvia, quis o destino que meu avô tivesse seu encontro com a besta noturna.

 Pouco antes de seu casamento com minha avó, quando já vivia em Brigadeiro Tobias, bairro afastado da cidade de Sorocaba, voltava meu avô do trabalho. Normalmente seu retorno se dava por volta das sete, oito horas da noite mas, nessa oportunidade, parou num bar pelo caminho e se demorou um pouco mais, bebendo e conversando com alguns amigos que encontrou por lá.

 Engraçado é que meu avô dizia que coisas inesperadas acontecem com aqueles que, no retorno ao lar, desviam-se de seu caminho para demorar mais que o correto nos botecos da vida. Uma lição devidamente aprendida segundo ele.

 Então por volta das onze horas da noite lá vinha meu avô pela estradinha de terra que conectava a cidade Alumínio, onde trabalhava, com Brigadeiro Tobias. A luz elétrica não havia chegado na região e a escuridão do caminho era severa. Apenas o brilho mortiço de uma lua nova lançava alguma iluminação na estrada e seus arredores. E somente por causa dessa parca claridade é que conseguiu divisar, metros a frente, a monstruosidade que vinha no sentido oposto ao seu.

 Um animal horrível, quase do tamanho de um cavalo, preto como piche e com grandes orelhas pontudas acima da cabeça. Peludo, quadrúpede e exalando um odor decrépito de podridão que empesteou todo o ar ao redor. Não havia dúvida. Era um lobisomem.

 Meu avô lembrou-se de algo que ouvira. Se não demonstrasse medo no encontro com o monstro este não o atacaria, ignorando a existência de sua testemunha. Infelizmente essa história não se provou verdadeira pois, assim que notou meu avô no caminho, a coisa disparou em sua direção correndo de forma tão abominável, com os cotovelos no chão, batendo suas patas nas orelhas, fazendo um ruído terrível; ZUM! ZUM! ZUM!; Que fez o sangue de meu pobre avô congelar nas veias. Em questão de segundos a aberração estava em sua frente, de pé, apoiada nas patas traseiras prestes a golpeá-lo com as imensas garras dianteiras num movimento muito assemelhado ao dos ursos norte-americanos. Se acertasse seria morte certa!

 Felizmente, provando ter grande presença de espírito e raciocínio rápido, meu avô moveu-se antes da criatura e conseguiu derrubá-la, passando-lhe uma "rasteira". Como a fera tinha as pernas de trás curtas e, possivelmente, mais fracas que as dianteiras, desabou no chão de terra, concedendo a sua presa os valiosíssimos minutos de vantagem que usou para correr até um eucaliptal próximo e buscar abrigo no topo de uma das árvores de lá.

 O lobisomem tentou seguir meu avô mas parece ter perdido seu rastro depois da cerca que separava o bosque de eucaliptos da estrada onde estava. Por toda noite percorreu o local, farejando e rosnando, vez ou outra, procurando sua presa. Felizmente para meu avô, devidamente escondido num dos galhos mais altos da árvore que escalara, a criatura não conseguiu encontrá-lo. Talvez por conta do odor cítrico exalado pelas árvores, acreditava ele.

 Mas o monstro não desistiu até que os primeiros galos começassem cantar na madrugada, anunciando a iminência da aurora. Esse som pareceu surtir um efeito repelente na criatura que, aparentemente, tentou resistir mas não teve alternativa senão deixar aquele lugar, desaparecendo na escuridão da noite que chegava ao fim.

 Somente quando o dia já ia claro meu avô desceu de onde estava e foi embora para casa. Sobrevivera ao encontro com a besta noturna para contar a história que narro agora, através destas linhas.

RelatosOnde histórias criam vida. Descubra agora