Aquela Gente sem Rosto

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 Foi depois de alguns poucos meses que mudei para Suzano, na Grande São Paulo, que a história que testemunho agora aconteceu. Naquele tempo a cidade era muito mais interiorana que hoje em dia. Ruas de terra, muito matagal e pouca iluminação faziam com que, já por volta das dez horas da noite, não se visse mais pessoas fora de casa. Todos se recolhiam cedo.

 Morava com meu pai e, por ainda não conhecer quase ninguém na região, passava a maior parte do tempo na casa de minha cunhada que morava, mais ou menos, a uns quatrocentos metros de onde eu residia.

 No dia do ocorrido havia ficado em sua casa por mais tempo que de costume. De fato, estranhamente, perdi um pouco a noção do tempo naquela ocasião. Quando sai de lá as ruas estavam totalmente vazias. O único bar nas imediações, que fechava tarde, não estava mais aberto.

 Foi quando, no caminho do retorno para casa, pude observar três pessoas vindo em minha direção. Um homem de terno, uma mulher de vestido e uma menina que aparentava não ter mais de dez anos pelo que conseguia ver naquela penumbra entre nós.

 A princípio não lhes dei importância mas, ao passar ao lado daquela gente, senti um impulso curioso e olhei diretamente em sua direção. Vi algo terrível de descrever. Nenhum dos três tinha rosto. Nem olhos, nem nariz, nem boca. Nada. Suas faces eram uma superfície lisa de pele sem feição alguma.

 Nesse momento o homem de terno disse, em tom sarcástico.

- Olha. Ele ficou com medo!

 Agindo quase que por instinto peguei algumas pedras soltas pelo chão de terra e as segurei firmes nas mãos, pensando em usá-las para me defender daqueles seres perturbadores.

 O pavor, entretanto, me fez fugir dali como um louco. Corri como poucas vezes o fiz nesta vida até chegar na casa de meu pai. Batia com toda força na porta de entrada e gritava.

- Pai! Pai! Abre essa porta! Abre agora! Rápido!

 Para aumentar meu pavor podia ver, através de uma pequena portinhola de vidro na porta, que haviam pessoas na sala mas ninguém parecia me ouvir. Era desesperador!

 Continuei malhando aquela porta a murros violentos, amedrontadíssimo, por alguns minutos que pareciam intermináveis, até que meu irmão mais velho, que visitava meu pai e estava indo embora, abriu. Me atirei para dentro da casa como um ensandecido.

 Lembro de brigar e gritar com todos por não terem aberto o diabo da porta. Meus parentes disseram não ter ouvido nada. Era como se, de alguma forma, os esforços que fiz para ser notado do lado de fora tivessem sido anulados por alguma força nefasta.

 Não voltei a encontrar aquelas criaturas. Hoje em dia minha cidade está diferente, moderna e urbanizada. Mas, ainda assim, evito ao máximo andar por suas ruas, por mais asfaltadas e iluminadas que estejam, fora de hora.

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