Visões na Beira do Lago

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 Lembro como se fosse hoje. Era uma tarde de sexta-feira e, como de costume, na época, eu, meu irmão e alguns amigos, tomamos o trem para Franco da Rocha, cidade onde íamos nos finais de semana. David, o dono do local onde ficávamos, e também nosso amigo, esperava na estação de chegada. Uma vez lá, seguimos para a casa dele e, no meio do percurso, encontramos Éder, um morador local que, havia um tempo, nos acompanhava por lá. Alguns de nós não gostavam desse rapaz e Fernando, meu irmão, era quem menos o tolerava. Num clima desagradável seguimos o resto do caminho quietos, sem muito o que conversar.

 Chegamos, finalmente, na casa de David. Desfizemos as mochilas, comemos alguma coisa e descansamos. Pouco depois resolvemos aproveitar o restinho do dia e dar uma volta. Éder, que permanecera conosco apesar de tudo, sugeriu que andássemos pelos lados do Moinho, o sítio onde vivia. Os arredores desse lugar eram onde mais gostávamos de ir, cercado por estradas, florestas, lagos e cachoeiras. Então, ainda que com a reticência de alguns, acabamos por rumar para lá. Fernando, ainda que não concordando, terminou indo também. Quisera eu ter dado ouvidos a ele, naquele dia.

 Como já contei outras vezes, Éder tinha o péssimo hábito de tentar nos assustar com histórias sobre fantasmas e assombrações. Dizia, ele próprio, ser acompanhado por um espírito em particular que era seu "guia espiritual" ou coisa assim. Lembro que alguns amigos, Luana, Ivan, Marco Aurélio, se impressionavam facilmente com essa conversa e, mais de uma vez, Éder os deixou bastante assustados com ela. Fernando odiava tudo isso de tal maneira que seu desejo era espancar o "capiau exotérico", como chamava Éder, as vezes na presença do infeliz, e fazê-lo sumir de nossas vidas. Vanessa e David, que namoravam na época e eram mais velhos e esclarecidos que os demais, nenhuma atenção davam a essas histórias. Eu, a exemplo de meu irmão, não fazia questão alguma de ouvir esse tipo de coisa. Minhas convicções religiosas determinavam que o envolvimento com espíritos dos mortos, ou não, era uma prática perigosa que não trazia benefício algum. Muito pelo contrário.

 Aconteceu que chegamos as imediações do Moinho ao cair da noite. Vanessa e eu acendemos uma fogueira e arrumamos o acampamento. Nosso plano era passar uma madrugada agradável conversando, comendo e contando histórias ao pé da do fogo. Nos instalamos próximo a um dos lagos. Um denso bambuzal separava o local onde estávamos das margens lamacentas a direita.

 Por algumas horas tudo correu bem. David, Fernando e os demais foram caminhar por uma estrada próxima enquanto eu e Vanessa permanecemos perto da fogueira, comendo e conversando.

 E a madrugada seguiu, noite adentro.

 Horas depois Luana surgiu no acampamento apavorada e sozinha. Sentou-se no meio de nós e, por mais que eu e Vanessa tentássemos, não conseguimos fazê-la contar o que tinha acontecido. Estava tão transtornada que decidi levá-la de volta pra cidade.

 A casa de David não estava longe e, mesmo a noite, não seria difícil chegar até ela. Acontecia que Luana estava num estado de nervos tamanho que qualquer barulho ou sombra a deixava a beira do desespero. Levamos mais de uma hora percorrendo um caminho que cobriríamos, no máximo, em quarenta minutos. Influenciado pelo medo de minha amiga, comecei a temer a escuridão, assim como ela. Por mais de uma vez pude jurar que havia mais alguém, além de nós, nos acompanhando naquela estrada.

 Na casa as coisas não melhoraram. Minha amiga continuava apavorada e só conseguiu deitar e dormir quando o dia começava clarear. Ainda assim sob efeito de um chá calmante que Dna. Ana, mãe de David, fez com que bebesse. Pouco tempo depois Vanessa, Fernando e os outros chegaram. Todos, inclusive, bastante preocupados com Luana. Disse que tudo estava bem, que ela tinha melhorado e ido dormir. Perguntei sobre Éder. Vanessa contou que ele ficou no Moinho.

 Mais tarde, nesse mesmo dia, quando Luana acordou e, de fato, estava bem mais calma, perguntei o que diabos tinha acontecido na noite anterior. A garota contou que, quando estava com os meninos andando pela estrada, sentiu fome e resolveu voltar para o acampamento. Fernando deu-lhe sua lanterna e ela começou fazer o caminho de volta. Em certo ponto, a estrada por onde vinha contornava o lago próximo de onde estávamos. Quando Luana passava pela beirada do lugar, a lanterna apagou. Quase no mesmo instante viu um vulto sair do meio do bambuzal a esquerda, passar correndo em sua frente e se atirar no lago, desaparecendo sob suas águas turvas. Mesmo na escuridão ela percebeu tratar-se de um homem louro, com cabelos louros e um pouco compridos, vestindo roupas claras. Na exata descrição do espírito que Éder dizia ser seu guia.

 Depois de ver isso Luana correu até chegar no local onde Vanessa e eu nos encontrávamos.

 Mal sabia ela que, algumas semanas antes, esse ser, espírito ou o que fosse, havia me procurado e conversado comigo.

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