Trinta e sete

1.1K 79 10
                                    

- Olá, Gustavo. Sou a doutora Irene, você sofreu um grave acidente, mas já estamos cuidando de você. - Abri os olhos com dificuldade, olhando tudo ao meu redor. Eu estava numa maca hospitalar e havia vários médicos em minha volta.
- Co-como vim parar aqui? - Perguntei com dificuldade. A dor era intensa e tudo estava confuso, pois eu não lembrava de nada.
- Você vai entrar em cirurgia agora. - Um dos médicos se pronunciou. - Seus pais já foram avisados e estão à caminho.
- Cadê a Madu? - Insisti, mas logo me aplicaram uma injeção, fazendo-me ficar ainda mais zonzo.
- Tenha calma, querido. - Uma outra médica disse, segurando em minha mão. Não demorou muito para eu cair no sono.

(...)

- Mãe? - Chamei, assim que abri os olhos e com dificuldade, a vi sentada ao meu lado, chorando baixinho.
- Ai! - Suspirou, levando a mão ao peito. - Graças à Deus você acordou, filho. - Disse, beijando minha testa. - Você passou por uma cirurgia complicada... O médico disse que você poderia não acordar. - Completou, limpando as lágrimas que insistiam em cair.
- Shhh. - Pedi. - Vaso ruim não quebra, mãe. Eu estou bem. - Disse, tentando me convencer disso. - Cadê a Madu?
- Gustavo...
- Eu só me lembro da queda... Como ela está? - Perguntei e ela segurou fortemente minha mão.
- Ela também passou por uma cirurgia, amor. Mas o caso dela é pior que o seu... - O nervosismo tomou conta do meu corpo. A dor não era física, mas ardia como tal. Senti meus olhos encherem-se d'água ao mesmo que eu temi a conclusão de sua fala. - A Madu já passou por três cirurgias... Ela não consegue respirar sem os aparelhos e já teve três paradas cardíacas. Os médicos já estão tomando medidas extremas... Eu sinto muito, meu filho.

-

Preciso vê-la! - Pedi, com a voz baixa.
- Vo-você acabou de sair de uma cirurgia, filho.
- MAS EU ESTOU BEM! - Gritei, com voz de choro. - Desculpe. - Pedi, abaixando a cabeça. Não queria que ela me visse chorando.
- Gustavo... - Chamou, colocando minha cabeça contra seu peito.
- Eu amo a Maria Eduarda, mãe. - Admiti, hesitante. - Não posso perdê-la...
- Vai ficar tudo bem... - Respondeu, também com voz de choro,afagando minha cabeça. - Ela vai sair dessa! Tenha fé, meu amor.
- Fé? - Meneei a cabeça negativamente. - Eu preciso vê-la para me certificar que tudo ficará bem. - Após muita insistência, mamãe concordou em chamar a doutora Irene para avaliar meu pedido.
- Gustavo, você passou por uma cirurgia complicada. - A doutora respondeu, com pesar. - Você está em observação, precisa ficar em repouso. Lamento, mas não posso deixá-lo ver sua namorada.
- A senhora tem um amor? - Perguntei, ríspido.
- Gustavo... - Ela ia responder, mas a cortei.
- Se coloque no meu lugar... - Pedi, limpando minhas lágrimas. - Ela não é minha namorada, mas é a garota que eu amo.
- Gustavo... - Insistiu.
- Quem lamenta aqui sou eu! Você não é ninguém para me proibir... Pode ser que ela não resista, e aí?
- Deixa ele ir vê-la, doutora Irene. - A médica que segurou minha mão antes dos remédios fazerem efeito, interveio. A doutora Irene argumentou, mas fora em vão, porque ela sabia que eu não iria desistir.
- Tudo bem. - Respondeu à contragosto. - Vou pedir para uma enfermeira trazer uma cadeira de rodas.
- Não precisa! Minha mãe está aqui e ela irá me ajudar a caminhar.

"E eu desistiria da eternidade para tocá-la, pois sei que você me sente de alguma forma. Você é o mais próximo do paraíso que chegarei, e eu não quero ir para casa agora".

Não parecia ela deitada ali. Sua pele estava marcada por roxos e arranhões, seu rosto estava inchado e havia um corte que ia dos lábios até metade da sua bochecha. Madu estava intubada e com vários fios pelo corpo.

- Você não pode me deixar! - Pedi, segurando em sua mão e como previsto, ela não reagiu; Minhas pernas estavam bambas e foi graças ao apoio da minha mãe que consegui me manter em pé. - Estar com você é como estar no paraíso. 

"E tudo que eu posso sentir é este momento (...) E eu não quero sentir sua falta esta noite".

Fechei os olhos, lembrando tudo que já havia acontecido conosco. Senti meu peito arder em paixão, assim como da primeira vez que me vi apaixonado por ela.

- Eu era só uma criança e você uma adolescente. - Sussurrei, em meio ao choro. -  Mas eu nos imaginava como amantes... Você era minha Branca de Neve e eu seu príncipe encantado.

E então eu pude ver o brilho em seus olhos, pois ela havia acordado, e eu me permiti sorrir de orelha a orelha. Um sorriso efêmero, pois Maria Eduarda começou a convulsionar.

- NÃAAAO! - Gritei, sendo puxado pela minha mãe. Logo o quarto estava repleto de enfermeiros que insistiam para que nós saíssemos dali, mas meus pés estavam petrificados no chão.

"Eu só quero que você saiba quem eu sou".

- NÃO DEIXEM ELA MORRER, POR FAVOR! - Pedi para os dois médicos que entraram no quarto; os aparelhos começaram a apitar, indicando que Madu estava tendo outra parada cardíaca.
- Vocês precisam sair daqui! - Uma médica nos disse, ao mesmo que pegava as pás para ressuscitamento. - Carrega em 300!

"E não dá para lutar contra lágrimas que não vêm, ou o momento da verdade em suas mentiras, quando tudo parece como nos filmes. Sim, você sangra apenas para saber que está vivo".

A médica repetiu o processo de ressuscitação quatro vezes. A todo momento ela pedia que eu saísse do quarto, mas creio que ao me ver chorando compulsivamente, ela teve piedade e repetiu mais uma vez o processo, mas a Madu não reagiu.

- Hora da morte 13:54h. - Declarou com pesar, olhando-me em seguida.
- NÃAAAAAAAO! - Gritei, correndo até Maria Eduarda, chacoalhando-a.
- Eu sinto muito... Fizemos o possível.
- VOLTA PRA MIM! - Insisti, ainda com as mãos em seu corpo. Meu choro era compulsivo e alarmante. Não sei descrever como me senti, mas foi como padecer no inferno. - Volta, Madu. - Insisti, dando-lhe tapinhas no rosto. - Você não pode me deixar, amor... - Sussurrei, encostando minha testa na sua. A essa altura, minhas lágrimas eram puro sangue e eu quis sangrar até a morte.
- Filho, vem. - Com muita dificuldade, minha mãe enfim conseguiu me tirar dali. Ela também chorava, pois além de gostar da Maria Eduarda, ela podia sentir minha dor. - Mamãe te ama, viu?! - Afirmou, afagando minha cabeça contra seu peito. - E tenha a certeza que ela te amava e vai continuar amando-te no plano espiritual.

"Eu só quero que você saiba quem eu sou".

Inconfesso desejoOnde histórias criam vida. Descubra agora